Sunday, March 17, 2013

Crônicas de bibliotecas

Por um Brasil de leitores!


St Louis Central Library. Recentemente reformada, a biblioteca central de Saint Louis é talvez a mais bonita dentre as muitas bibliotecas espalhadas pela cidade.  É um espaço convidativo e acessível. Foto: Derek Pardue

 



Moro nos EUA há muitos anos e uma das coisas mais legais que já vi aqui é o sistema de bibliotecas públicas. É absolutamente maravilhoso e , lamentavelmente, ao contrário de outras ideias americanas, esta nunca foi amplamente copiada pelo Brasil. Em 2009, a Fundação Getúlio Vargas fez um censo de bibliotecas municipais no país. A pesquisa foi encomendada pelo Ministério da Cultura. Os resultados saíram no ano seguinte e não foram muito animadores. Apurou-se , por exemplo, que 445 municípios brasileiros (8% do total) não tinham bibliotecas públicas. As bibliotecas em funcionamento geralmente não ofereciam outros serviços, ou seja, não promoviam atividades com os leitores nem mesmo grupos de leitura e poucas ofereciam acesso à internet. Mais de 90% delas eram inadequadas para deficientes físicos e/ou visuais. A maioria também fechava aos finais de semana e os horários de atedimento ao público, em geral, inviabilizavam o acesso dos que trabalham em tempo integral.
No mesmo ano, 2010, o Ministério da  Cultura lançou um edital convidando os municípios a se candidatarem a kits de modernização das bibliotecas. Cerca de 200 projetos foram selecionados e agora é hora de se saber como essas políticas de incentivo têm evoluído e como cada município tem tirado vantagem delas, eficazmente.
A criação dos Pontos de Leitura é outra iniciativa interessante e necessária. Grupos como sindicatos, centros comunitários e outros espaços públicos concorrem a verbas federais e infra-estrutura básica, incluindo um acervo inicial de livros de diferentes categorias. Depois de ter bibliotecas em cada município, o ideal seria garantir acesso ao maior número de leitores e transformar esses espaços em parte integrante das comunidades. E que sejam lugares bonitos, acolhedores, dinâmicos.
Eu quero ter esperança. Afinal,  a situação na pátria amada, idolatrada ainda é ruim mas não é novidade. Muitíssimos anos atrás, quando eu era adolescente, tirava livros religiosamente de uma circulante municipal. Eu tinha de renovar ou devolver os livros a cada duas semanas e tentava ler o mais rápido que podia para constantemente ter livros diferentes em mãos.  Um dia, porém, fui informada que houve reformulação dos distritos e com isso eu ficava proibida de continuar retirando livros daquela biblioteca. Há de se notar que a dita biblioteca não ficava no meu bairro. Eu tinha de fazer uma viagem de ônibus de cerca de 25 minutos. Com a tal reestruturação fui encaminhada para uma biblioteca que, apesar de pertencer à minha área, era impraticável. Era totalmente fora de mão: eu teria de tomar dois ônbus e, mais grave, aparentemente acreditava-se que minha jurisdição não tinha muitos leitores porque a biblioteca que nos cabia mal tinha livros e o parco acervo era composto de títulos infantis: uma ofensa para uma adolescente que se julgava tão madura, pelo menos como leitora.Mais recentemente ,lembro de lido que o então prefeito, Kassab, planejava fechar esta mesma biblioteca por falta de leitores (comentei o episódio neste blog).
Voltando ao meu drama adoelscente, não adiantou nada literalmente chorar diante de uma bibliotecária cuja apatia só era superada pelo incrível pendor à burocracia. Eu tinha sido oficialmente excluída. Foi então que pela primeira vez me servi do jeitinho brasileiro, neste caso, felizmente, sem graves consequências para ninguém e com benefícios (temporários) a minha sede de livros. À época, eu tinha um namorado que lia tanto quanto eu e que morava perto da bilbioteca. Ele tinha um irmão que, por sorte (minha não dele), não ligava para livros. Assim não foi difícil convencê-lo a obter uma carteirinha da bilbioteca e gentilmente me permitir usá-la em seu lugar. O acordo durou pelo tempo do namoro, que não foi longo, mas adiou a necessidade de comprar livros por mais um tempo.
Poucos anos depois, já na faculdade, outro evento ligado a bibliotecas me fez pensar na pouca importância que damos a elas no Brasil. Eu estava num desses cursos de ciências sociais com nome complicado. O professor era alguém da USP e embora tivesse boa reputação intelectual era uma dessas figuras antipáticas, caricatura do acadêmico esnobe. Numa das aulas dele, no meu primeiro ano de Jornalismo, quando ele falava sobre  a bibliografia do curso, levantei a mão e perguntei quais eram as opções para quem não pudesse comprar os livros. Inocentemente eu esperava algo como a dica de uma loja de livros usados ou, (por que não?) ser informada sobre os recursos da nossa biblioteca universitária. Em vez disso, Dr. X  foi categórico: “Quem não tem dinheiro para a gasolina não deve comprar carro”. Engoli a metáfora indigesta. Mas sabia que era preciso mais do que uma tirada infeliz pra me fazer desistir. E continuei tocando o carro, mesmo que, às vezes, aos empurrões. Valeu a pena, Dr. X.
Eu me lembrei deste episódio, em 1999, no primeiro ano da pós-graduação em Illinois. Eu me preparava para escrever os trabalhos finais cercada por dezenas de livros emprestados da biblioteca da universidade (tenho uma foto com eles e espero um dia encontrá-la). Eu me sentia como uma criança que realiza o sonho de ter  uma casa cheia de doces. A sensação só era mais intensa quando eu me via nos corredores da própria biblioteca, escolhendo livros das numerosas prateleiras e me deliciando em simplesmente folhear tantos exemplares quanto possível.

Que na nossa corrida para o desenvolvimento a gente crie e equipe muitas bibliotecas. Quem sabe um dia a principal manchete de todos os jornais nos dê conta de que, sim, o Brasil é um país que lê!  E que
não por acaso tem um sistema maravilhoso de bibliotecas públicas.