FICHA TÉCNICA:
Terras
Brasil, 2009, 75 min, 35 mm, cor, Dolby Digital
Direção: Maya Da-Rin
Produção: Sandra Werneck
Fotografia e câmera: Pedro Urano
Montagem: Karen Akerman / Maya Da-Rin / Joaquim Castro
Pesquisa: Daniel Bueno, Geraldo Pereira, Luiza Leite, Maya Da-Rin e Pedro Cesarino
Terras
Brasil, 2009, 75 min, 35 mm, cor, Dolby Digital
Direção: Maya Da-Rin
Produção: Sandra Werneck
Fotografia e câmera: Pedro Urano
Montagem: Karen Akerman / Maya Da-Rin / Joaquim Castro
Pesquisa: Daniel Bueno, Geraldo Pereira, Luiza Leite, Maya Da-Rin e Pedro Cesarino
Terras é um filme que exibe linda fotografia. E avaliar um filme dessa maneira sempre me pareceu suspeito. Eufemismo para filme ruim? No meu caso, não necessariamente. Mas uma forma simplificada de traduzir uma ideia: não posso dizer que o filme seja ruim, porque não é, mas também não posso dizer que o filme seja bom. Pois então, dentro da minha própria categorização sem método, tenho de concordar que Terras tem, de fato, uma bela fotografia.
Talvez a culpa seja toda minha. Fui advertida que se tratava de um filme experimental, mas insisti em acreditar que veria um documentário, porque bem antes de o título ser integrado à exibição da artista mineira, Rivane Neuenschwander , eu havia visto o trailer.
Sou louca por documentários. Lembro de um tempo em que documentário era como dever de casa: importante para o aprendizado, mas sobretudo um dever e, como tal, chato. Recentemente, a coisa evoluiu tanto que documentário perdeu o caráter de obrigação e invadiu a praia do prazer, puro e simples; e de quebra a gente ainda pode deixar a sala de cinema ou o sofá de casa com a sensação (boa) de ter aprendido algo. A grande decepção que me causou o filme de Maya Da-Ri vem daí e do fato de que muito esporadicamente posso me dar ao luxo de ir ao cinema com o marido, numa noite qualquer da semana. A ocasião, portanto, acendeu ainda mais a fogueira das expectativas. O que aprendi, de fato, é que um documentário pode, também, ser experimental. Com tudo o de positivo e negativo que a definição encerra.
Eu ouvi falar desse filme por meio de um anúncio do Porta Curtas Petrobrás. Como disse, vi o trailer e me pareceu interessante a ideia da confluência de três cidades: Letícia (Colômbia), Tabatinga (Brasil) e Santa Rosa (Peru): a imagem de uma fronteira tripla borrada, em que povos indígenas, unidos pela etnia, se viam separados pela criação de estados, com suas leis e bandeiras. Como plot de documentário, isso soava simplesmente perfeito. Imediatamente, fiquei achando que o filme seria uma forma interessante (e bonita) de me embrenhar em algo que passa longe do meu dia-a-dia, uma promessa pra cinéfilo nenhum desdenhar e irresistível pra quem, como eu, ama histórias.O trailer , de fato, não fez todas essas promessas. Então por que acreditei que iria acompanhar a vida de personagens reais e conhecer suas perspectivas, visitando essas terras longínquas?
Infelizmente, deixei minha expectativa traçar um prospecto que, certamente, não coincidia com o da diretora. Além disso, tema não é tudo. Qualquer expectador de documentários sabe que mesmo o assunto mais interessante precisa da mão precisa de um (a) cineasta, prefrencialmente um(a) documentarista, para trazer à tona as perguntas, mesmo que não se tenha as respostas. Ainda que o tema não esteja na nossa lista de preocupações cotidianas ou profissionais, desde que devidamente apresentado, ele pode definitivamente entrar para o seu raio de visao e de atenção ou afeição.Nunca parei particularmente para pensar sobre pinguins, mas me vi emocionada e intrigada com a vida que eles levam, depois de A Marcha dos Pinguins (La marche de l'empereur, Luc Jacquet, 2005 ) . Eu sequer tinha ouvido falar do francês que cruzou o espaço entre as torres gêmeas caminhando sobre um fio de aço e dificilmente alguém me convenceria da relevância desse feito. Quando vi Man on Wire ( James Marsh, 2008), no entanto, descobri outras coisas fascinantes sobre o ser humano. Uma surpresa se pensarmos que, à primeira vista, trata-se de um episódio bizarra e cruamente egocêntrico.
Minha ignorância e desinteresse eram igualmente enormes com relação ao caso de abuso sexual que condenou Roman Polanski a nunca mais voltar aos Estados Unidos. Até que o documentário (Roman Polanski: Wanted and Desired, Marina Zenovich, 2008) sobre o caso me ensinasse muitíssimo sobre temas como a vaidade humana e o poder de manipulação da mídia, sem contar as falácias da justiça, na figura de seus juízes. Fiquei impressionada com o quanto eu desconhecia a história recente dos Estados Unidos quando vi The Most Dangerous Man in America: Daniel Ellsberg and the Pentagon Papers, 2009 (dirigido por Judith Ehrilich and Rick Goldsmith). O documentário trata do vazamento de papéis confidencias do Pentágono, numa manobra corajosa de Ellsbsberg para tentar acabar com a guerra no Vietnã.
Não é que Maya Da-Rin não saiba o que faz. Ao que consta, ela tem pelo menos outros dois documentários no curriculum e, para manter uma certa “tradição”’ no mundo do cinema brasileiro, é filha de cineasta. No caso, a mãe é Sandra Werneck, que em Terras dá as bênção à filhota assinando a produção. Maya tem olho para o curioso (note as tomadas, de Letícia, suponho, feitas por debaixo dos carros); para o belo e inusitado, como as cenas da chuva torrencial sobre os barquinhos protegidos por frágeis guarda-chuvas na imensidão do rio. Sua forma de documentar é extremamente pessoal e muito sensível. A cineasta parece querer nos convencer que a imagem da terra, dos troncos das árvores e das matas pode sobrepujar todo o resto.
Para mim, o resto foi exatamente a narrativa que faltou. Ao sair da exibição de Terras, sobrou a vontade de saber mais sobre aquelas pessoas sem nome, que surgiam ao acaso, como as àrvores e as imagens do rio e do solo. Ainda que gostasse de ver as imagens feito pinturas e as longas tomadas, cuidadosamente registradas pelas câmeras sob a direção de Maya Da-Ri, queria, como já disse, aprender mais. Queria ouvir histórias, as quais, estou certa, devem jorrar nesse lugar tão marcado pela tradição oral. Queria saber o que distingue as cidades rachadas pelas fronteiras. A passagem, por exemplo, em que um grupo de pessoas toma a Ayauasca, sobre a qual nada foi dito e explicado, fica flutuando em mistério, com um exotismo a meu ver desnecessário.
Vou ter de esperar por outro documentário. Ou, quem sabe, pela possibilidade, remota, de ir ver essas terras por mim mesma, sem o auxílio luxuoso de uma lente com subjetividade própria. Que os documentaristas se compadeçam dessa minha alma curiosa que, claro, também aprecia uma bela fotografia.