Monday, July 4, 2011

O anti-diário de Lisboa

Palavras e monumentos

Eu e nosso amigo, Craig, em frente ao imponente 
D. José I, na Praça do Comércio,
a mais linda de Lisboa.Foto: Derek Pardue
Monumento original em pedra, de autoria de António Teixeira Lopes, que homenageia Eça deQueirós. Chama-se “Verdade” e teria sido livremente  inspirado em uma frase do próprio Eça, de A Relíquia: «Sobre a nudez forte da verdade, o manto diáfano da fantasia». A verdade, neste caso,é representada por um sensual corpo de mulher. Foi inaugurada em 1903, mas anos atrás a obra foi vandalizada e recolhida de seu sítio original, à Praça Barão de Quintela, na Rua do Alecrim, e levada para restauro no Museu da Cidade. Hoje restaurada, continua lá, enquanto uma réplica em bronze ocupa o espaço da Barão de Quintela. Foto: Derek Pardue




Um Narciso se mira no laguinho do Jardim da Estrela. Foto: Selma Vital

Um pavão de verdade, 
brincando de estátua. 
No Museu da Cidade. Foto: Derek Pardue

 
Eu tenho prestado muita atenção às palavras. Por grande parte da minha vida o tenho feito, é certo. Mas nessa temporada em Lisboa, minha obsessão tem chegado a novos níveis. Mesmo assim, registrar minhas descobertas, encantamentos, dúvidas parece impossível por palavras. Essa é a grande questão que me aflige. De novo, um questionamento (e uma aflição?)que vem de longe e que se renova, muda de intenções, se carrega de outras perguntas e poucas, bem poucas, respostas.
Talvez eu devesse renunciar à pretensão de registrar meus dias aqui com algum glamour. O céu da cidade, seus becos, ruelas, e o Tejo azul sempre à espreita (ou a ser espreitado), dispensam tradução. Ou será que gritam por ela? O que os turistas alemães estarão escrevendo em seus diários de viagem? E os franceses, oui? Ai pobre de mim,  pensar que as pessoas ainda escrevem diários. Mas escrevem blogs e text messages ou pequenas notas a si próprios, tenho visto. Fotos de tudo, de cada curva tremulante de dentro e de fora do bondinho elétrico, cada pequena excentricidade dessa cidade velha, que não se dá por isso. Eu gosto de observar os ângulos e os motivos para os quais os turistas lançam seus cliques gulosos. Enquanto eles miram as câmeras modernas, eu mantenho o foco neles,  com esses meus olhos míopes e já antigos, bem guardados atrás dos óculos de sol.
No último mês, todo dia, sem exagero, tenho visto, sentido, algo que deveria ser posto no “papel” e me desculpo, enrolo e deixo a chance passar até que a memória não me venha mais em frases, somente em imagens desvanecidas. E não se pode falar desse lugar em pálidas pinceladas. Quem sabe toda tentativa de “contar” a cidade seja isso, somente, um borrão da realidade.
Que difícil transformar as sólidas pedras dos castelos e suas torres agudas numa pintura impressionista. A abstração, no entanto, parece só minha. Há estátuas por toda parte. Parecem revelar uma certa  obsessão. Ibérica?  São heróis, poetas, desbravadores, “descobridores”. Quase todos homens. Estátuas femininas são na maioria imagens semi- nuas, ninfas, silhuetas arredondadas ao estilo das deusas gregas ou romanas.Mas há a cabeça em bronze , sem poesia, de Sophia Breyner Andresen , solitária, eternamente vigiando o Tejo, ao pé (como dizem aqui...) da igreja da Graça. E enquanto há aqueles monumentos imponentes, homens pra sempre aprumados em seus cavalos de bronze carcomidos pelo coco dos pombos, como um o D. Pedro IV varonil ao centro de uma praça, --que no Brasil foi o nosso imperador/libertador, Pedro I –há João de Deus, surpreendentemente pequenino e carrancudo, em seu terno de poeta, sentinela do bonito Jardim da Estrela.
Quem sabe se pudesse contar a história dessa cidade pelas suas estátuas e monumentos. Seus tributos de ferro e bronze que nos lembram a todo instante, na formalidade de seu porte e na decadência de sua estrutura, o quanto esse país, ainda hoje, se faz de nostalgia.
Aqui, agora, eu vejo um rasguinho de lago e mesmo cercada de árvores, de patos endoidecidos pela provocação dos “miúdos”, cantando ou simplesmente se fazendo ouvir, ainda me chega o som abafado dos carros e dos aviões que passam rente ao jardim, alguns já com as rodas de pouso baixadas, prontas para a aterrissagem. “Uma ilha verde no meio da cidade”, eu respondo a um grupo de crianças que acaba de me entrevistar. Elas olham desconfiadas.  Uma mulher solitária, como a cabeça da poetisa Sophia, mas com sotaque inconfundivelmente brasileiro, teclando seu lap top sem poesia à sombra dessas árvores portuguesas. Em busca, claro, de palavras. De palavras-monumentos Não, de palavras simplesmente.

1 comment:

Raquel Ribeiro said...

minha linda, vc pintou uma doce e ludica paisagem de lisboa. merci por essa breve viagem :)