Monday, December 10, 2012

Quixotes e pixotes


 Diminuição da maioridade penal, sistema prisional e o Projeto Trilhas, 
da Associação Horizontes


Eu tenho um filho de 8 anos. Ele nunca experimentou fome, porque eu ou o pai dele, meu marido, estamos atentos às necessidades que ele tem desde o dia em que ele foi concebido. Ele só sente frio quando teima em sair no inverno sem jaqueta. Mas talvez teime porque saiba que um dos pais vai estar por perto com um casaco quentinho à espera de que ele resolva vesti-lo. Cada vez que sentimos que ele tem um problema na escola, imediatamente entramos em contato com os professores e ao menor sinal de um resfriado mais forte ligamos para a pediatra. Ele nunca teve uma cárie, porque cuidamos dos dentinhos dele desde que surgiram.  Sofreu uma única infecção de ouvido que foi prontamente tratada com o mínimo possível de antibióticos para não desequilibrar seu frágil organismo. Ele é inteligente, sadio, confiante. Ele aprende piano e canta no coral infantil da cidade.  Nossa família não reza nem vai a igreja, mas nosso filho tem um profundo sentimento de respeito pela natureza, pelos animais e por seus semelhantes. É nosso compromisso provê-lo com uma base moral consistente, assim tentamos ser modelo de tudo o que  ensinamos e quando, por algum motivo, erramos, nos desculpamos e mostramos para André que erros acontecem e que pedir e aceitar perdão faz parte da convivência em sociedade. Mesmo com todos os cuidados, nem sempre ele diz obrigado ou por favor, embora em geral tenha boas maneiras. Expandindo essa ideia, imagino que no futuro, quando puder escolher, ele possa, apesar de todos os nossos esforços, fazer más escolhas. Talvez ele se esqueça do que aprendeu, talvez ele se rebele contra nossa forma de educar... Sei lá, é a lei do livre arbítrio e tudo pode acontecer.  O que sei é que quero que ele estude, se eduque, viaje, tente compreender o mundo e seja uma pessoa feliz, um cidadão participante, um ser humano decente.
Difícil mesmo é imaginar como uma criança que foi indesejada, que cresceu sofrendo coisas que nem gente grande está preparada para suportar, num ambiente de violência e privada de cuidados básicos pode se transformar em um adulto saudável e bem integrado ao meio social. Eu estudei um bocado nesta vida mas nunca aprendi muito sobre psicologia, pelo menos não no sentido acadêmico da palavra. Ainda assim, me parece óbvio que uma criança submetida a maus tratos e a desrespeito de todo tipo, que não tenha sequer se alimentado propriamente,  tenha poucas chances de seguir um “bom caminho”.  Isso já é suficiente para me convencer de que mandar um menino delinquente para uma prisão adulta aos 16 anos não vai resolver o problema dele e menos ainda reverter o quadro de violência que assola o Brasil. Ao contrário, vai piorar um sistema prisional já sobrecarregado e corrompido. Um estudo de 2007 dá conta que 90% dos detentos voltam a delinquir e acabam regressando à prisão. Esse dado sozinho mostra a ineficácia alarmante do nosso sistema penitenciário. Dados do mesmo estudo apontam que 95% dos que hoje povoam as prisões são de classes pobres,excluídos sociais, analfabetos ou com baixo nível de instrução. Há um número imenso de presos que aguarda benefícios judiciais a que têm direito, como prisão semi-aberta. Outros estão depositados em distritos policiais sem nenhuma estrutura para recebê-los.  Um dos últimos censos penitenciários revelou que  40% de todos os prisioneiros, sentenciados ou não, estão sob guarda da polícia civil, ou seja, profissionais não treinados para o serviço carcerário, nos DPs da vida.  A transferência desses detentos é prorrogada e em muitos casos jamais concretizada, por falta de leitos nas penitenciárias. Cerca de 20% de todos os prisioneiros  são portadores do vírus da Aids. Revista CEJ  (Rafael Damaceno de Assis, Revista CEJ, Brasília, Ano XI, n. 39, p. 74-78, out./dez. 2007).
Esses números não são os mais recentes , mas duvido que a situação tenha melhorado significativamente nos últimos cinco anos. Os acontecimentos das últimas semanas em São Paulo, em que o crime organizado age de dentro das prisões, nas barbas do poder público estadual e com a sua conivência, apenas atualizam a gravidade e o horror dessa realidade. Parece absurdo imaginar que este sistema carcerário falido possa receber um contingente extra de sentenciados na faixa etária de 16 a 18.  Se isso vier a acontecer, obviamente o caos tende a se expandir e, ainda mais evidente, é a certeza de que qualquer recuperação vai ser vetada a esses adolescentes.
É intrigante como as pessoas, mesmo aquelas razoavelmente bem informadas, tendem a se apegar a explicações simplistas para justificar suas posições diante de questões complexas. É comum, por exemplo, ouvir que a alteração da idade penal intimidaria os jovens criminosos porque  eles pensariam duas vezes antes de um ato ilegal, sabendo que seriam julgados como adultos. Argumento  semelhante aqui nos Estados Unidos, dos partidários da pena de morte, ignora estudos apontando que não há relação comprovada entre a diminuição de crimes violentos nos estados que  executam seus criminosos. Duvido que meninos ou meninas sem estrutura, que sofrem abusos de todo tipo e sem nenhum exemplo de conduta vão deixar de cometer um crime por ponderar  suas consequências legais. Outra ideia batida é a que os adultos deixariam de usar menores  em seus crimes se eles não fossem legalmente tratados  como menores. De fato, não creio que os exploradores de menores estejam preocupados em poupá-los da prisão ou da punição.
Infelizmente,essa lógica passa a prevalecer sobre medidas mais profundas e de múltiplos níveis de abrangência, como por exemplo a necessidade da pressão da sociedade civil organizada sobre  o governo, em todos os níveis, exigindo educação inclusiva e de qualidade e a ação efetiva contra o desfacelamento do núcleo familiar , com a criação de mais programas e atividades para depois do período escolar e de mais espaços públicos seguros na área metropolitana e nos bairros pobres das grandes cidades. Em vez de acoes preventivas e de acompanhamento o que se busca é que o poder público se ocupe  em encarcerar mais jovens, que serão devolvidos às ruas ainda mais violentos.
Em um dos meus contos favoritos de Machado de Assis, “Ideias de Canário”, um canário falante só é capaz de reconhecer o ambiente que o cerca no momento presente. Ele não se lembra dos lugares onde viveu antes e imagina que o mundo não vá além de seu campo de visão. O canário alienado de Machado servia como metáfora para uma outra época e outros problemas, mas como a maioria do que Machado escreveu ainda é curiosamente contemporâneo.  É mais do que hora de a sociedade brasileira passar a enxergar além do muro do seu próprio condomínio, que vai ficando cada vez mais alto e ineficiente, porque o que acontece do lado de fora também é responsabilidade nossa.
Não creio que imaginar uma sociedade em que todas as crianças, como meu filho, tenham direito e acesso a comida, segurança, carinho, proteção integral, física e psicológica, seja quixotesco. Nossos moinhos de vento são tragédias pessoais e comunitárias bem palpáveis. Irreal é acreditar , mais uma vez, que uma medida legal vá convenientemente abolir o problema do menor abandonado.

Horizontes
Mas falando em Quixote, eu por minha vez respeito e admiro esses “quixotes”, profissionais e voluntários, que longe de se iludirem com simplificações criam estratégias de ação social e trabalham por soluções. Entre eles, quero destacar  a Associação Horizontes http://www.ah.org.br/,  uma organização sem fins lucrativos com sede em São Paulo. Eu tomei conhecimento do trabalho desta ONG por meio de minha amiga Heloísa Sousa Dantas, coordenadora de projetos dessa organização e, conhecendo a  Helô,  sabia de cara que o projeto é sério. No dia 14 de dezembro a Horizontes vai promover um bazar, por meio de seu projeto Trilhas, que objetiva levantar fundos para projetos voltados a esses jovens que precisam de apoio efetivo para encontrar um lugar na sociedade. Para que possam, em última instância, levarem vidas produtivas e felizes. Faço um apelo aos que têm espírito natalino ou não a assistirem o vídeo da Horizontes/Trilhas http://www.youtube.com/watch?v=5DCYhM11ZTo e se engajarem  seja contribuindo com dinheiro ( o site diz como se pode doar), com produtos para o bazar ou com a divulgação do trabalho da Horizontes. O primeiro passo é reagir contra a inércia do senso comum, que prefere crer, como o canário machadiano, que ao retirar um problema de seu campo de visão, este automaticamente deixa de existir.

Thursday, November 8, 2012

Amigos...de novo e sempre



Tendo crescido às voltas com uma família grande, plena de tios e primos, sempre me fascinou a ideia de que amigos, ao contrário de familiares, são escolhas nossas. Cada um deles foi eleito por nós ou nos elegeu para ocupar essa missão, com todo o peso que o título em si  inspira. 

Quando foi a última vez que você precisou de um amigo? Você sabe quem são seus amigos?  A palavra amigo e o conceito amizade parecem tão lugar comum. Mas o fato é que, pelo menos na minha experiência, a gente tende a pensar nos amigos quando precisa deles. Coisa egoísta, eu sei e, claro, não inteiramente verdadeira. Porque, para ser justa, eu sempre penso em meus amigos quando eles precisam de mim, também. Mesmo que eles não peçam ajuda, cresce em mim um senso de responsabilidade, uma espécie de chamada do dever. 

Acontecimentos recentes na minha vida familiar me fizeram voltar ao tema. Nenhuma novidade, eu diria. Uma rápida olhada neste blog já indica que ele me interessa.  Acontece que nos últimos anos tenho me questionado mais e mais sobre os sentidos da amizade e minha capacidade de fazer e reter amigos. Imagino que seja um questionamenteo normal que ganha importância  com o passar do tempo. Vivo uma fase da vida na qual nosso senso crítico nos leva algumas vezes a selecionar com mais cuidado as pessoas em quem queremos investir tempo e com quem desejamos dividir histórias. De novo, mil perdões se isso soa pragmaticamente frio. Como costumo dizer, tenho hoje poucos mas muito amados amigos. Alguns deles, como também já disse aqui, tomaram rumos diversos e eu aprendi nos últimos anos a guardá-los numa constelação especial.  São amigos que eu respeito em nome de um passado compartilhado, mas que ficaram presos neste passado, como uma foto bonita, uma canção. Outros, vão mudando com a gente, o que pode levar a estranhamentos de parte a parte. Eles podem te fazer chorar mas na mesma medida vão chorar por você; vão te dar uma chance antes de te julgar e na maioria das vezes vão estar do teu lado sem nem perguntar o motivo da briga. 

Nessa altura do campeonato, poucos anos antes de completar meio século de existência, eu tenho o benefício de uma certa sensibilidade que me faz aceitar quando alguém não vê em mim uma amiga. Se ao princípio eu me frustrava com isso e ficava tentando ser melhor aos olhos daquele amigo, amiga em potencial, agora me resigno. Parece triste mas na realidade é uma bênção quando um raro amigo te abre as portas nessa tal, especial, fase da vida. Você pode respirar com a certeza de que foi escolhida puramente pelo que você é. Depois da juventude, circunstância desempenha um papel menor e, acredite, é delicioso desfrutar de uma amizade que nasce simplesmente porque temos coisas em comum e porque gostamos de rir juntos. Então vem admiração, compreensão das falhas, e um desejo enorme de que o amigo, amiga seja infinitamente feliz. 

A angústia passa. Pouco a pouco as coisas voltam a ter um ritmo normal, ainda que diferente. E depois de passada a tempestade, a gente vê no meio da bruma quem são os amigos que permanecem. Melhor dizendo, quem são os amigos. Afinal, aqueles que desapareceram ao primeiro trovão provavelmente não eram amigos. Conjecturas...

Dedico estas linhas a todos os amigos que continuam comigo, conosco, atravesssando os temporais.  Com eles vamos ver os dias de sol que hão de vir pela frente.

Sunday, June 24, 2012

Alicinha, a nepótica



Minhas introduções aos posts vêm se tornando rotina neste blog e eu me desculpo se parecem excessivas. Simplesmente quero dar um contexto ao texto, quando, a meu ver, se faz necessário. No caso em questão, apenas queria justificar que não foi exatamente minha ideia escrever sobre nepotismo. Este era o tema de um concurso de crônicas do qual eu queria participar. Eu o escrevi muito antes do prazo final do concurso, porque queria tempo para trabalhar nele um tanto, antes de o submeter a julgamentos... Além disso, segundo o regulamento, a crônica tinha de ser minúscula e meu desafio foi cortá-la, cortá-la... Eu fiz isso por semanas, até que a vida me chamou para competições mais urgentes e quando voltei ao texto notei que já tinha perdido o prazo de inscrição. Eu devia ter imaginado que não poderia meramente me esbaldar e relaxar com prazo tão folgado...Banquei a lebre quando estou mais para tartaruga. Por fim, de novo, pra não deixar a iniciativa dormindo nos arquivos do meu computador, decidi publicá-la aqui...e, de vingança, (mil perdões!), a versão original e mais longa. Boa leitura!


Ninguém vai poder dizer que Alicinha não tentou. A pobre hoje anda pela cidade cabisbaixa, óculos escuros que lhe cobrem metade da cara gordinha, bonitinha até. Tudo porque ela foi criada naquela crença meio ingênua meio cristã de que tinha de ajudar a família. Foi assim desde menina. Filha do meio de cinco irmãos, ficava ali meio perdida sem bem ter atenção nem de pai nem de mãe. A madrinha é que às vezes se apiedava dela e levava Alicinha pra passar um dia inteiro no sítio, sem obrigação, só brincando no balanço de pneu velho  que ficava perto do galinheiro. Os puleiros da  madrinha, para alegria da menina, não tinham mau cheiro como os outros.
Quando Alicinha, dedicada colaboradora do centro comunitário, primeiro pensou em se candidatar a vereadora ela nem se lembrou da família. Quer dizer, de verdade, a ideia não foi mesmo dela. Lúcio Rufino veio com a novidade depois de ver como o pessoal gostava de Alicinha. “Você tem penetração popular, menina!”, ele veio dizendo com aquela voz de locutor de rádio. Ela até se espantou com essa definição, que bem podia ser piada do Lúcio Rufino. Ele tinha dessas tiradas que Alicinha se esforçava pra entender, mas quase sempre lhe escapavam. Se tivesse ficado só nisso ela teria certeza que era coisa para não se levar a sério. Só que ele insistiu e começou a espalhar pelo centro que Alicinha daria uma excelente candidata a vereadora e que seria eleita com certeza.
Alicinha nunca tinha sonhado com tanto. Pensava, claro, em ser presidente do centro, afinal já estava na liderança do grupo por tanto tempo. Ela tinha participado de tanta reunião que a mãe dela vivia dizendo que era por isso que não se casava. Bobagem, pensava Alicinha, se foi mesmo numa das reuniões onde ela primeiro viu Marcelo, que foi a paixão da sua vida. Pena que o Marcelo não percebeu a jóia que Alicinha era e acabou casando com a Marieta, do coro da igreja. Todo mundo sabe que ele se arrependeu, apesar de a Marieta ser uma soprano de fazer a gente chorar...
O fato é que Lúcio tinha bom olho pra essas coisas de política. Por influência dele, logo o presidente do centro entrou em contato com um fulano de um partido político desconhecido, que se instalava em Pradinho e que ficou bem feliz em indicar Alicinha. Ela teve de se filiar ao partido e queria usar seu nome completo,  mais digno de figurar na Câmara Municipal: Alice Maria Noronha Gama, que cá pra nós soa importante. Mas os homens lá (sim porque mulher, mesmo, só ela) disseram que deveria usar o nome pelo qual era conhecida e que tinha mais “apelo popular” e pra completar a penetração com o apelo popular, ficou Alicinha mesmo.
Foto: ddpavumba at freedigitalphotos.net
A família dela no princípio riu da candidatura. Mas no fim todo mundo se uniu: irmãos, sobrinhos, tios, primos e primas... Nenhuma campanha foi mais animada em Pradinho e Alicinha comemorou um feito ainda mais importante: foi a segunda vereadora mais votada em toda a história da cidade. Tudo bem que Pradinho virou cidade menos de 50 anos atrás, mas Alicinha não tinha nem 30! Então, claro, motivo pra uma festa de também bater todos os recordes.
Quando tomou posse, pelo menos quarenta pessoas na pequena galeria da câmara eram parentes de Alicinha. Alguns, que nem viviam em Pradinho, foram lá prestigiar o grande momento da “prima”. No primeiro dia despachando no escritório, com a irmã mais nova, Alzira, que tinha sido braço-direito de campanha e agora, por merecimento, era assistente de Alicinha, já era possível perceber que a parentalha não se dispersaria tão fácil. 
Alzira logo informou que Nezinho, o marido dela, tinha se dedicado muito à campanha também, então não teria nada demais contratá-lo para chefe de gabinete. Alicinha não queria magoar Alzira, mas Nezinho nem  tinha terminado o ensino médio e nunca parava em emprego nenhum.  Rodolfo, o irmão mais velho, concordou que a vaga não era pra Nezinho coisa nenhuma. Cargo de confiança para um cunhado vagabundo como ele? Alzira chorou, ameaçou ir embora, mas depois de conversar muito com Rodolfo acabou concordando que ele, sim, daria conta do recado. Ele tinha feito um curso de Contabilidade em Belo Horizonte e enquanto cuidava do caixa do armazém da família, bem que podia ajudar a irmã nessa empreitada. Era quase uma obrigaçãofamiliar, senão cívica. Pelo menos foi isso o que ele disse. Nezinho reclamou e Lúcio Rufino, afinal de contas idealizador da campanha de Alicinha, ficou mais inconformado ainda por não ser ele próprio o chefe de gabinete.  Imagine o prestígio que aquele vozeirão não daria ao mandato de Alicinha.
Foi preciso a ajuda de Alzira e Rodolfo para enfrentar o primeiro conflito. Nezinho acabou sendo empregado como motorista da vereadora Alicinha e Lúcio Rufino, coordenador de comunicação. Como Nezinho  dirigia bem e Lúcio Rufino era super carismático, todo mundo ficou feliz. Quer dizer, quase  todo mundo. Foi assim que uma semana depois a prima Gisele, um doce de menina, que tinha tanto futuro e lindos olhos azuis, foi nomeada recepcionista.  A sobrinha mais velha, Viviane,  ficou encarregada das pesquisas de opinião. E a gente de Pradinho tinha tanta opinião que ela acabou  precisando da ajuda de Valter, seu namorado, que expandiu o setor de pesquisas consideravelmente.
Hoje fica difícil saber exatamente em que momento Alicinha virou nepótica. A mãe dela, em princípio, se horrorizou. Não era nepótica aquela  filha de dona Dalila, que gostava de meninas? Depois de esclarecer a confusão com a mãe e de consultar a palavra nepotismo no google , Alicinha teve de se explicar para um comitê de investigação .
Pobre Alicinha, encerrou o mandato tão promissor  depois de menos de um ano, dois meses , três dias e vinte e oito contratações. Destas, segundo constam nos autos, dezenove só de familiares. Mas no dia da renúncia  a família não apareceu. Nem mesmo Alzira, a assistente, que resolveu marcar manicure bem no horário do discurso, compungido, de despedida da jovem  vereadora.
 Alicinha caminhou também sozinha pra casa, afinal Nezinho não era mais seu motorista. Sorte dela  que a madrinha a esperava no portão de casa, com uma cesta de ovos frescos e uma receita de casadinhos. 

Saturday, March 31, 2012

A última viagem de Zé Vital

Image:Nuttakit  http://www.freedigitalphotos.net/images/view_photog.php?photogid=1556
José Vital é um nome comum. Deve haver um bom número deles, espalhados por aí, especialmente no Nordeste. Se calhar, muitos, também como este, Zé Vital Neto. Não sei se esses Zés nordestinos, netos de outros Josés, se parecem com meu tio mais velho: moreno, baxinho, enfezadinho. Falava alto e gesticulava muito, de forma que mesmo quando a conversa era amigável parecia que estava brigando. E, sim, como era briguento meu tio e quanta personalidade!

Caminhoneiro desde que eu possa me lembrar, sua pequena estatura parecia ser compensada pelo tamanho do caminhão.  Vai ver que foi por isso -- pra ver o mundo lá do alto --  que tio Zé passou boa parte de seus recém-completados 80 anos na boleia de um caminhão. Fazia longas viagens carregando de tudo entre São Paulo e algum ponto remoto  do Nordeste. Assim, de certa forma, nunca de fato criou raízes num canto ou n’outro. Nascido em Cupira, Pernambuco, domiciliado em São Paulo, capital, era a estrada sua verdadeira morada.

Ao contrário do tio Zé, caminhões nunca me fascinaram, mas eu me lembro perfeitamente de um dia em que ele chegou a nossa casa dirigindo um Ford Galaxy novinho, cor gêlo. Era a primeira pessoa da minha família a desfilar em carrão tão imponente. E, claro, meu coração acelerou quando fomos convidados para uma voltinha no carro novo. Sentada no banco traseiro, tentava levantar a cabeça para me assegurar de que as pessoas do bairro me veriam, radiante dentro do carro de luxo. No painel traseiro, havia uma oncinha de pelúcia cujos olhos vermelhos acendiam cada vez que se freava o carro...tão anos 70...

Outra coisa que sempre me lembro é que tio Zé era o maior fã do meu cabelão. Na infância, eu tinha o cabelo pela cintura, e absolutamente odiava as sessões penteadeira, quando minha mãe tentava domar minhas madeixas eternamente grossas e mal educadas. Quando entrei pra escola e minha mãe sabiamente mandou cortar meu cabelo ao estilo joãozinho, tio Zé desaprovou a ideia. E sempre que podia me mostrava uma foto que levava na carteira, na qual eu exibia a juba negra chegando na cintura . Ele mirava a foto com certo desconsolo e balançava a cabeça com um suspiro ressentido. Um ressentimento ao qual ele voltava cada vez que nos encontrávamos, o que nos últimos anos foi cada vez mais raro.

Tio Zé também era o mais tradicional entre os irmãos de meu pai. Parecia se orgulhar de certos “valores” da sua terra e isso, algumas vezes, nos causava embaraço. Ele nos fazia tomar a bênção ao velho estilo: ou seja tinha-se que ir lá beijar a mão do tio e ser abençoada por ele, de forma peculiar: "Deus te faça feliz!", dizia num tom sibilante, que por um bom tempo eu era incapaz de compreender. No caso do tio Zé, de quebra, a gente ganhava um cheiro. A medida em que fomos crescendo o ritual parecia intolerável, mas ninguém tinha coragem de recusá-lo. Quem conheceu Zé Vital sabe que comprar uma briga com ele não era exatamente boa ideia. Um dia, eu já tinha 15 anos, e estava chegando na loja que meus pais tinham à  época. De longe, reconheci o perfil de meu tio se aproximando, e bateu pânico. Fingi que não o vi, mas foi em vão. Ele me viu e veio em minha direção a passos largos. Por um minuto achei que ele me livraria do mico...Puro engano, na frente de todo mundo eu, já naquela época quase mais alta que ele, tive que baixar a cabeça, lhe beijar a mão e, claro, levar um cheiro.

Porque meu tio sempre foi conservador, eu jamais tentei compartilhar com ele minhas ideias que ainda hoje não são muito palatáveis em ambos os lados da família. Talvez covardemente preferi que tio Zé tivesse de mim a ideia que ele queria ter: uma boa sobrinha, acima de tudo. Sei o quanto ele se mostrava apreensivo, por exemplo, ao ver que eu completei 30 anos sem me casar e, pior, morando fora da casa de meus pais.

Mas um homem com tamanha personalidade pode surpreender, felizmente. Anos atrás, numa das campanhas de Lula à presidência, ele me disse enfaticamente que apoiava Lula à presidência. Eu que nunca, com toda minha empolgação, consegui convencer meu próprio pai a votar no Lula, confesso que naquele momento mal podia conter a alegria. Ver meu tio, tão turrão, tão ideologicamente diferente de mim, estar do mesmo lado que eu foi mais do que eu esperava. Ainda hoje pensar nisso me emociona. Nunca mais falamos de política e nem sei se ele mudou de ideia. Naquele dia, porém, eu teria voluntariamente lhe tomado a bênção com o coração pleno de orgulho.

Poucas semanas atrás minha irmã me ligou do Brasil e comentou que tio Zé iria celebrar 80 anos. Nenhum dos meus avós jamais realizou o feito. Minha avó materna chegou perto: morreu quatro dias antes do aniversário. Por isso, a comemoração era também um pouco nossa. Afinal, podíamos agora apostar um pouco mais na nossa longevidade. Minha irmã também contou que a única apreensão de tio Zé é que depois de 80 anos ele não poderia,  por lei, ter uma habilitação que lhe permitisse dirigir caminhões, o que encerraria sua longa relação com as estradas e aposentadoria não era algo que estivesse em seus planos. A vida, no entanto, foi generosa com tio Zé. Seu registro de nascimento apontava erradamente que ele havia nascido um mês depois, um erro, aliás, que  era bastante comum nas pequenas cidades brasileiras. Dessa forma, tio Zé ganhou mais um mês para fazer o que chamamos então de sua útlima viagem sem saber que de verdade seria.
Eu e minha irmã, ponderadas, racionais, discutíamos que seria melhor para todos saber que finalmente ele estaria seguro em casa, aproveitando a calma de seus 80 anos. Ainda bem que ele não estava por perto ou nos teria lançado um daqueles olhares,típico dos Vital, embora eu tenha certeza de que na presença dele  nos teríamos calado.

Foi numa dessas rotas desconhecidas da maioria dos brasileiros, numa parte qualquer da Bahia, sozinho, atrás do volante de seu caminhão, que ele se despediu da vida. Um AVC aparentemente fulminante lhe deu tempo apenas para encontrar o apoio de um velho guard rail de uma vicinal. Na festa de seus 80 anos, ele teria confidenciado a familiares que queria morrer na estrada. Ninguém seria louco de contrariar o pequeno e arretado José Vital de Cupira, filho de  João e de Dona Nila. Nem mesmo a morte. 
A bênção, meu tio, e boa viagem!

Tuesday, March 13, 2012

A Fuga das Minhocas: literatura infantil e engajada


Meu Pé de Laranja Lima , de José Mauro de Vasconcelos, foi  o primeiro livro de verdade que li; eu acho que já tinha uns 8 anos . Não era exatamente um livro infantil mas era, literalmente, o único disponível na minha casa. Eu amava ler, com perdão do lugar comum. Um amor bem difícil numa casa onde livro era objeto de luxo . Mas, sabe como é,  amor impossível é sempre mais excitante! Sem ter acesso a livros ou a bibliotecas, eu tinha de ser criativa para pôr minhas mãos magrinhas em cima de um exemplar de livro qualquer. Assim, naturalmente, nunca me preocupei muito se o livro era pra criança ou não. Lia o que aparecia.
Hoje, sempre às voltas com os livros que meu filho lê, me dou conta de que além da penúria das estantes lá de casa, a  literatura infantil brasileira também deixava muito a desejar. E nas visitas ao Brasil, quando busco  alguns títulos para que meu filho pratique a leitura em português, o que vejo não me entusiasma. É surpreendente, pra não dizer desanimador, que ainda hoje seja comum as pessoas citarem como expoentes da literatura infantil  tupiniquim os mesmos autores: Monteiro Lobato (que eu, sim, acho racista...) e Ruth Rocha... Não quero desdenhar dos autroes pátrios porque sei que tem gente boa por aí  e tenho esperança de que o avanço econômico vá em algum momento se refletir em investimento em mais títulos e melhor qualidade editorial nessa área. Quem sabe a população, as associações de bairro, o movimento organzado em algum momento percebam a importância das bibliotecas públicas e pressionem os governantes a reequipá-las,facilitando o acesso a elas e as tornando parte da vida das cidades.
Para provar meu otimismo, hoje quero comentar , infelizmente com muito atraso, o lançamento do livro da minha amiga Raquel Ribeiro (olha ela aqui de novo!) A Fuga das Minhocas, que saiu no ano passado, pela Editora Nova Alexandria, com ilustrações do veterano Orlano Pedroso,  e lindo projeto gráfico do Jean Pierre, maridão da Raquel e meu ex-colega de trabalho. Antes de falar do livro, tenho de falar da autora, jornalista, mãe de uma menininha que deve ter inspirado a personagem principal do livro, a minhoquinha atrevida batizada Ana Beatriz de Sousa e Sousa. Já faz uns bons anos que a Raquel, junto com seu amor Jean, abandonou a loucura de Sampa e foi pra o meio do mato, ao melhor estilo anos 70. Resolveu mudar de mala e cuia para um lindo e remoto recanto na área de Visconde Mauá. A mudança da Raquel tem muitos significados, que eu nem seria louca de tentar explicar, mas pelo que entendo eles foram se desenvolvendo paulatinamente e resultando em vegetarianismo, em mais consciência ecológica e imersão de corpo e alma na natureza.
A Fuga das Minhocas, penso eu, vem na esteira desse compromisso com um estilo de vida sustentável e mais equilibrado e certamente foi inspiradopela presença da filha. A história segue o clássico princípio da jornada. No caso, a viagem de um grupo de minhocas que foge de um herbário em busca de aventuras e no caminho aprende sobre a degradação do ambiente e os perigos do desenvolvimento urbano desordenado. Ao fim da historinha, o papo fica mais sério, proque a autora explica numa linguagem didática, mas leve, o importante papel das minhocas , do lixo orgâncio e da reciclagem.  
O tom da narrativa não tem nada de linguagem de manual, em uma das tiradas a narradora pondera: “E o pior é que Ana Beatriz de Sousa e Sousa estava coberta de terra e de razão”, mas a autora faz questão de deixar claro que o tema é sério. Ela inclusive oferece o link para o blog do livro em que o assunto continua sendo discutido e se pode aprender ainda mais htpp://fugadasminhocas.blogspot.com Eu não sei exatamente a faixa etária que a Raquel, ou a editora, tinha em mente como público alvo do livro e acho difícil definir essas coisas  porque vai depender muito da criança, do nível em que esteja lendo e o vocabulário que já domine. Meu filho tem 7 anos e é leitor avançado em inglês. Também lê em português, mas comparativamente, claro, domina um vocabulário mais limitado. Por isso, lemos juntos este livro e, em alguns momentos, tive que explicar algumas palavras e situações. Felizmente, para os leitores independentes, Raquel oferece um glossário ao final. Minha sugestão é que crianças até 7 anos, ainda que mais familiarizadas com a língua, leiam o livro em família. Eu, particularmente, adoro a ideia de sessões familiares de leitura. No momento estamos lendo a coleção do Harry Potter juntos: um capítulo por noite, depois do jantar. André queria ler os livros sozinho mas achamos que seria um pouco assustador pra ele, especialmente como leitura na hora de dormir, então resolvemos fazer nossos saraus e  tem sido uma delícia! Para um tema como A Fuga das Minhocas, então, a ideia pode ser ainda mais interessante. Pode ser o livro em uma única sessão, mas a partir dela pode-se inspirar a participação das crianças seja organizando a reciclagem do lixo ou, pra quem tem espaço, a compostagem do lixo orgânico, Sem falar que pode ainda convidar a outras discussões como maneiras de engajar a família no processo de economizar energia ou evitar a produção desnecessária de lixo. Raquel inclusive dá algumas dicas básicas neste sentido. Nesses sete anos como mãe, a experiência tem me mostrado que envolver as crianças, oferecendo opções para que tenham a impressão de que elas próprias apresentaram as soluções, faz com que levem a tarefa mais a sério. Vale a pena propor ideias, sem impo-las e delegar responsabilidades, estimulando a agência da criança.Por exemplo, Clara vai ficar responsável de recolher as revistas e panfletos, enquanto Pedro se responsabiliza por todo recipiente plástico reciclável... A leitura em escolas também poderia resultar em projetos interessantes, especialmente nas escolas que ainda contam com um pedacinho de terra onde a criançada possa se sujar um pouco. Vejo até a possibilidade de um projeto mutidisciplinar, integrando artes, ciências, língua...Já pensou que maravilha uma oficina de pintura de sacolas de pano, pra substituir as sacolinhas plásticas da família?
Enfim, o que quero dizer é que A Fuga das Minhocas é literatura infantil engajada, que tem claramente uma poposta e pode ser apenas o começo de uma reflexão mais profunda sobre a nossa relação com a natureza. Lendo o livro da Raquel, eu me lembrei que não muito tempo atrás eu estava saindo do campus da universidade onde trabalho. Era um dia quente de verão, as aulas ainda não tinham começado, tudo estava meio deserto, e então eu vi uma minhoca enorme agonizando no concreto. Embora muito perto do jardim, eu sabia que ela não conseguiriria sobreviver sem ajuda. Comecei então a procurar pedacinhos de papel dentro da bolsa ou gravetinhos no chão pra pegar a minhoca e devolvê-la à terra. Sem saber, uma senhora me observava, provavelemente da janela do escritório dela, e veio me perguntar o que se passava. Quando expliquei, ela não hesitou: foi lá, catou a minhoca com a mão, e em dois segundos devolveu a bichinha pra terra, sã e salva. Eu me envegonhei da minha frescura e da cara de nojo que eu provavelmente fiz, porque ela olhou pra mim e disse: “Agora é só lavar a mão, honey...” No fim, nós duas nos olhamos felizes da “nossa” boa ação. Depois que você conhecer Ana Beatriz Sousa e Sousa e sua turma tenho certeza de que vai me entender.

Monday, February 6, 2012

Boa oportunidade para jovens que são (ou querem ser) escritores e que conhecem a língua portuguesa.

The 2012 Susan Sontag Prize for Translation
$5,000 grant for a literary translation from Portuguese into English:
PLEASE NOTE: The deadline is March 9, 2012.
This $5,000 grant will be awarded to a proposed work of literary translation from Portuguese into English and is open to anyone under the age of 30. The translation must fall under the category of fiction or letters, and the applicant will propose his or her own translation project. The project should be manageable for a five-month period of work, as the grant will be awarded in June 2012,and the translation must be completed by October 2012.   
Acceptable proposals include a novella, a play, a collection of short stories or poems, or a collection of letters that have literary import. Preference will be given to works that have not been previously translated. (Previously translated works will be considered, however applicants should include an explanation for why they are proposing a new translation.) Applicants wishing to translate significantly longer works should contact the Foundation before sending in their applications so that supplementary materials can be included. The prizewinner will be notified on June 1, 2012 and results will be announced online at www.susansontag.org.
The recipient will be expected to participate in symposia on literary translation with established writers and translators, as well as public readings of their work once the translation has been completed.
Application Requirements (Please download the official application online at www.susansontag.org.) All applications must include three copies of the following:   
• Application Cover Sheet (available online at www.susansontag.org)
• Personal Statement (2 pages maximum) explaining your interest and background in literature the source language
• Project proposal (2 pages maximum)outlining the work and describing its importance
• 5 page sample translation of the proposed work from the source language into English
• The same passage in the original language
• A bio-bibliography of the author (including information on previous translations of his or her work into English)
• One academic letter of recommendation
• Official transcript from your current or most recent academic institution
All applications must be submitted via regular mail to the Foundation address:
Susan Sontag Foundation
76 Franklin St. #3
NY, NY 10013
All application materials must be received by March 9, 2012.
The fine print: Applicants must be under the age of 30 on the date the prizewinner will be announced:June 1, 2012. By submitting work to the Susan Sontag Foundation, the applicant acknowledges the right of the Foundation to use the accepted work in its publications, on its website,and for educational and promotional purposes related to the Foundation. Please note that application materials cannot be returned to applicants.

Tuesday, January 24, 2012

Curta reflexão sobre o abraço: tirada do fundo do baú


Estava em busca de um papel antigo e , como sempre, achei outros que não procurava. Entre eles um diário, caderninho de capa dura, que usei durante meus primeiros anos nos Estados Unidos. Nele, em meio a anotações de uma aula de literatura espanhola, em 26 de outubro de 2000, encontro esta notinha, que eu reproduzo abaixo quase na íntegra. Eu prenchi as lacunas oferecidas por meu manuscrito torto. Preencher lacunas, aliás, é criação de memória, mas espero não ter alterado demais o que, naquele momento, buscava expressar.

Queria começar uma história com: “Trocamos um longo e mudo abraço…”. Mas reflito que nenhum abraço é mudo. Pode conter, no gesto em si, um milhão de palavras. Pode suprimi-las, substituí-las, representá-las, evitá-las ou, quem sabe, motiva-las.  Pode, sem dúvida, inspirá-las. Um abraço não prescinde de palavras, mas contém linguagem; uma que se aprende e se apreende no ato de abraçar ou no sentimento abissal de sua carência. A sábia Raquel, mulher que abraça o mundo, diz que há gente que não sabe abraçar. Seria eu uma delas, minha brava irmã? Pois então quero ser aprendiz de abraço. De abraço que não é só envolver os braços em torno de alguém ou se deixar envolver por braços alheios.

Um abraço (de eterna aprendiz) a todos!

Tuesday, January 10, 2012

Reflecting on religion (or non religion)

This past semester, my son's school adopted world's religion as the main theme of discussions. Students from all the grades were presented with information from faiths and rituals around the planet. Then, during their usual end of the year performance, they gave us all a sample of their findings. We, the parents, were invited to send stories about our own family religion and rituals. The best stories would be selected to be read on the day of the performance. Of course, since we are not religious, I understood my input would not be the one they had in mind... However, some days before the show, the school sent out a message encouraging everybody to send a reflection, even if not a conventional one. The text below is the one I submitted. It was rejected. According to the teacher responsible for the selection, because did not represent most of the families there. But he said he liked my point... Well, in any case, I decided to post the text here. Maybe there other people out there with similar views. Maybe not. It is just a reflection, as most of my posts here, anyway.


I am not sure if a family with no religion can tell a story about religion. In any case, even though we don’t have religion we have religiosity. A lot of people are not familiar with this, and then we try to explain it:  For those of us, mysterious people without religion, God is not a figure with a single human face. In our small family we don’t believe we are made in God’s image. On the contrary, we believe that God is made in our image. This way if we are good, God is going to be good too. Even if we don’t look physically the way a lot of people see God, we can still be part of God, and he or she can have some of our ethnical features too. After all, for us God is a sum of every person’s spirituality and image.

Every single person is responsible for making the human kind into something really divine. If we, the people of the world, want to make a good, caring God, we need to try everyday to be better people. We should not expect passively that God will take care of us, but we have to take care of God. If we hurt another person or if we hurt the environment, we are also contributing to a bad spiritual community and then a bad, selfish God.

As one can expect, in our house we do not conventionally pray; however every single evening, at dinner time, we share a ritual in which we offer our thoughts to a person we love, or a cause we believe, maybe to someone who is in need of help, or someone who passed away and left a lot of memories and examples. Sometimes we simply honor one of our achievements, even a small one, and friends and family birthdays, too. But we also include, in our evening thoughts at the table, people from other parts of the world. This way, Andre will understand that populations around the world have needs, fears, problems and hope and happiness just like we have.

Our religiosity has no dogmas, and we do not envision heaven or hell. We think our spiritual energy one day will be back to this collective, universal energy, or, if one prefers, back to God.