Tuesday, March 13, 2012

A Fuga das Minhocas: literatura infantil e engajada


Meu Pé de Laranja Lima , de José Mauro de Vasconcelos, foi  o primeiro livro de verdade que li; eu acho que já tinha uns 8 anos . Não era exatamente um livro infantil mas era, literalmente, o único disponível na minha casa. Eu amava ler, com perdão do lugar comum. Um amor bem difícil numa casa onde livro era objeto de luxo . Mas, sabe como é,  amor impossível é sempre mais excitante! Sem ter acesso a livros ou a bibliotecas, eu tinha de ser criativa para pôr minhas mãos magrinhas em cima de um exemplar de livro qualquer. Assim, naturalmente, nunca me preocupei muito se o livro era pra criança ou não. Lia o que aparecia.
Hoje, sempre às voltas com os livros que meu filho lê, me dou conta de que além da penúria das estantes lá de casa, a  literatura infantil brasileira também deixava muito a desejar. E nas visitas ao Brasil, quando busco  alguns títulos para que meu filho pratique a leitura em português, o que vejo não me entusiasma. É surpreendente, pra não dizer desanimador, que ainda hoje seja comum as pessoas citarem como expoentes da literatura infantil  tupiniquim os mesmos autores: Monteiro Lobato (que eu, sim, acho racista...) e Ruth Rocha... Não quero desdenhar dos autroes pátrios porque sei que tem gente boa por aí  e tenho esperança de que o avanço econômico vá em algum momento se refletir em investimento em mais títulos e melhor qualidade editorial nessa área. Quem sabe a população, as associações de bairro, o movimento organzado em algum momento percebam a importância das bibliotecas públicas e pressionem os governantes a reequipá-las,facilitando o acesso a elas e as tornando parte da vida das cidades.
Para provar meu otimismo, hoje quero comentar , infelizmente com muito atraso, o lançamento do livro da minha amiga Raquel Ribeiro (olha ela aqui de novo!) A Fuga das Minhocas, que saiu no ano passado, pela Editora Nova Alexandria, com ilustrações do veterano Orlano Pedroso,  e lindo projeto gráfico do Jean Pierre, maridão da Raquel e meu ex-colega de trabalho. Antes de falar do livro, tenho de falar da autora, jornalista, mãe de uma menininha que deve ter inspirado a personagem principal do livro, a minhoquinha atrevida batizada Ana Beatriz de Sousa e Sousa. Já faz uns bons anos que a Raquel, junto com seu amor Jean, abandonou a loucura de Sampa e foi pra o meio do mato, ao melhor estilo anos 70. Resolveu mudar de mala e cuia para um lindo e remoto recanto na área de Visconde Mauá. A mudança da Raquel tem muitos significados, que eu nem seria louca de tentar explicar, mas pelo que entendo eles foram se desenvolvendo paulatinamente e resultando em vegetarianismo, em mais consciência ecológica e imersão de corpo e alma na natureza.
A Fuga das Minhocas, penso eu, vem na esteira desse compromisso com um estilo de vida sustentável e mais equilibrado e certamente foi inspiradopela presença da filha. A história segue o clássico princípio da jornada. No caso, a viagem de um grupo de minhocas que foge de um herbário em busca de aventuras e no caminho aprende sobre a degradação do ambiente e os perigos do desenvolvimento urbano desordenado. Ao fim da historinha, o papo fica mais sério, proque a autora explica numa linguagem didática, mas leve, o importante papel das minhocas , do lixo orgâncio e da reciclagem.  
O tom da narrativa não tem nada de linguagem de manual, em uma das tiradas a narradora pondera: “E o pior é que Ana Beatriz de Sousa e Sousa estava coberta de terra e de razão”, mas a autora faz questão de deixar claro que o tema é sério. Ela inclusive oferece o link para o blog do livro em que o assunto continua sendo discutido e se pode aprender ainda mais htpp://fugadasminhocas.blogspot.com Eu não sei exatamente a faixa etária que a Raquel, ou a editora, tinha em mente como público alvo do livro e acho difícil definir essas coisas  porque vai depender muito da criança, do nível em que esteja lendo e o vocabulário que já domine. Meu filho tem 7 anos e é leitor avançado em inglês. Também lê em português, mas comparativamente, claro, domina um vocabulário mais limitado. Por isso, lemos juntos este livro e, em alguns momentos, tive que explicar algumas palavras e situações. Felizmente, para os leitores independentes, Raquel oferece um glossário ao final. Minha sugestão é que crianças até 7 anos, ainda que mais familiarizadas com a língua, leiam o livro em família. Eu, particularmente, adoro a ideia de sessões familiares de leitura. No momento estamos lendo a coleção do Harry Potter juntos: um capítulo por noite, depois do jantar. André queria ler os livros sozinho mas achamos que seria um pouco assustador pra ele, especialmente como leitura na hora de dormir, então resolvemos fazer nossos saraus e  tem sido uma delícia! Para um tema como A Fuga das Minhocas, então, a ideia pode ser ainda mais interessante. Pode ser o livro em uma única sessão, mas a partir dela pode-se inspirar a participação das crianças seja organizando a reciclagem do lixo ou, pra quem tem espaço, a compostagem do lixo orgânico, Sem falar que pode ainda convidar a outras discussões como maneiras de engajar a família no processo de economizar energia ou evitar a produção desnecessária de lixo. Raquel inclusive dá algumas dicas básicas neste sentido. Nesses sete anos como mãe, a experiência tem me mostrado que envolver as crianças, oferecendo opções para que tenham a impressão de que elas próprias apresentaram as soluções, faz com que levem a tarefa mais a sério. Vale a pena propor ideias, sem impo-las e delegar responsabilidades, estimulando a agência da criança.Por exemplo, Clara vai ficar responsável de recolher as revistas e panfletos, enquanto Pedro se responsabiliza por todo recipiente plástico reciclável... A leitura em escolas também poderia resultar em projetos interessantes, especialmente nas escolas que ainda contam com um pedacinho de terra onde a criançada possa se sujar um pouco. Vejo até a possibilidade de um projeto mutidisciplinar, integrando artes, ciências, língua...Já pensou que maravilha uma oficina de pintura de sacolas de pano, pra substituir as sacolinhas plásticas da família?
Enfim, o que quero dizer é que A Fuga das Minhocas é literatura infantil engajada, que tem claramente uma poposta e pode ser apenas o começo de uma reflexão mais profunda sobre a nossa relação com a natureza. Lendo o livro da Raquel, eu me lembrei que não muito tempo atrás eu estava saindo do campus da universidade onde trabalho. Era um dia quente de verão, as aulas ainda não tinham começado, tudo estava meio deserto, e então eu vi uma minhoca enorme agonizando no concreto. Embora muito perto do jardim, eu sabia que ela não conseguiriria sobreviver sem ajuda. Comecei então a procurar pedacinhos de papel dentro da bolsa ou gravetinhos no chão pra pegar a minhoca e devolvê-la à terra. Sem saber, uma senhora me observava, provavelemente da janela do escritório dela, e veio me perguntar o que se passava. Quando expliquei, ela não hesitou: foi lá, catou a minhoca com a mão, e em dois segundos devolveu a bichinha pra terra, sã e salva. Eu me envegonhei da minha frescura e da cara de nojo que eu provavelmente fiz, porque ela olhou pra mim e disse: “Agora é só lavar a mão, honey...” No fim, nós duas nos olhamos felizes da “nossa” boa ação. Depois que você conhecer Ana Beatriz Sousa e Sousa e sua turma tenho certeza de que vai me entender.

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