Tuesday, October 5, 2010

Eleições

Qual é o Brasil que você quer?

Eu acho que comecei a prestar atenção às eleições muito cedo. Talvez porque na minha infância as eleições eram cercadas de um certo mistério. O tipo de mistério obscurantista típico das ditaduras, mas que ainda assim me causava impressão. Afinal, eu era criança.

Eu ficava encarregada de asssitir ao programa eleitoral gratuito na TV, que todo mundo odiava. Pela limitadíssima biografia apresentada (a Lei Falcão apenas permitia a foto do candidato, seu número e poucas sentenças que resumiam seus “ideais”), eu escolhia os candidatos nos quais minha mãe deveria votar. Meu pai não aceitava minhas sugestões e nunca tive total certeza se minha mãe, de fato, acatava meus conselhos. Mesmo assim, do alto dos meus 11 anos, eu levava esse “trabalho” muito à sério. O primeiro critério era que o candidato fosse do MDB, claro. Por alguma razão que eu não entendia muito bem naquela época, a Arena não estava do nosso lado. Em retrospecto, penso que este era o único período em que eu e meu pai estávamos no mesmo time, politicamente falando. Isso porque, felizmente, nem todos os conflitos que tivemos ao longo da vida nos separaram em nossa comovida lealdade ao Timão.  Mas essa história daria um outro post, e dos gigantes, como, aliás, me é característico.

Voltando às eleições, acho impossível explicar ou tentar reproduzir os sentimentos que me tomaram durante a Campanha das Diretas Já. Eu me lembro saindo do trabalho, que ficava na Rua Boa Vista, no centro de São Paulo, e chegando na Praça da Sé. Um caminhão de som tocava Refazenda, na voz do Gil. Era como se todo mundo lá estivesse do mesmo lado. Eu me sentia jovem, zen, plena...
Do mesmo modo, nunca serei capaz de traduzir em palavras meu desapontamento, a dor de ver o sonho das Diretas Já sufocado numa noite, por um congresso tacanho e interesseiro. O que eu não sabia é que ainda tinha muito que chorar. Porque então veio a minha primeira campanha para presidente, a de Lula, claro. Os comícios, a cumplicidade com meus amigos, e a energia da nossa juventude fizeram daquele ano um marco na minha, até aquele momento, curta existência. Por isso, dá pra calcular o tombo quando Collor foi eleito. Tristeza, raiva, estranhamento... Comecei a achar que não valia a pena, que cada povo tinha, sim, o governo que merecia e que o meu, um povo alegre, batalhador, cheio de ginga, merecia um playboy arrogante, “um filhote da ditadura”, como Brizola brilhantemente o definiu. Sofri muitas outras derrotas. Eu costumava dizer que esse era meu destino em política: perder, perder sempre. Perdia com dignidade, é verdade, mas estava cansada de perder.

Os deuses não me quiseram dar a alegria de estar no Brasil e votar para Lula quando ele finalmente se elegeu em 2002. Chorei muito, mas dessa vez de alegria; alegria reprimida pelos anos de espera, mas alegria legítima, escancarada. Arrumei umas brigas com alguns brasileiros aqui nos States, fui tachada de “radical” um termo que, naquele momento, não me impressionava mais. De qualquer maneira, algo mudou entre minha visão dessas pessoas e a que tenho hoje dos eleitores de Marina; mudou muito.

Não estou dizendo que os meus críticos de 2002 sejam os mesmos que apoiaram a candidata do PV. O que quero dizer é que, naquele tempo, eu achava que havia um grupo de pessoas que se arrepiava diante da vitória do Lula porque temia um governo socialista, fundamentalmente de esquerda. Mas então Lula se mostrou um pragmático, fez algumas alianças que até me revoltaram o estômago, e demonstrando uma habilidade política espantosa garantiu um crescimento econômico inusitado e, ainda assim, estável. Muita gente, pela primeira vez, saiu da linha de pobreza e passou a figurar nos índices dos consumidores.  E, mesmo assim, os detratores não reconheceram o esforço, a flexibilidade que, se dizia, um governo Lula jamais teria.  Bem, talvez não fosse esse o problema.

Depois das eleições de domingo, bate de novo esse desejo de entender qual era (ou qual é) o problema. Óbvio que numa democracia as pessoas podem pensar o que quiserem. Li num blog, outro dia, alguém dizendo que gostava do governo Lula, mas não votaria na Dilma porque era contra um mesmo partido ficar tanto tempo no poder. Claro que ela leu meus pensamentos no que toca ao governo de São Paulo. Eu acho que é mais do que hora de o PSDB zarpar do Palácio dos Bandeirantes. Mas se eles estivessem fazendo um trabalho decente, confesso que a continuidade não seria o problema. Continuar algo mau é o problema.

Na mesma linha semântica vem a interpretação dos excelentes números da Marina. Tenho ouvido ad infinitum que os votos vieram do eleitor que busca o novo... Cheguei mesmo a ler algo como: Marina representa o “pós-moderno”, o que de cara me soa a fraude, a falta de assunto. Então permanece a pergunta: quem são os eleitores de Marina? Trata-se daquele que quer mudança simplesmente pelo valor intrínseco desta? E, nesse caso, vendo a composição do PV e a absoluta falta de substância e consistência de seu programa de governo, sem contar o flerte descarado entre Gabeira e Serra, nem o mais inocente dos eleitores argumentaria que se trata do partido da “mudança”.

Será esse eleitor, aquele, como alguns amigos meus, que se dizem traídos por Lula? E este é um caso interessantísimo. Porque eu percebo agora que eles esperavam do Lula algo diferente do que eu. Resumindo, pra não tornar esse texto um calhamaço digital, vou ao ponto: eu percebo agora que o Brasil que eu desejo não é o mesmo que muitos dos meus amigos, que no passado batalhavam na mesma trincheira que eu, desejam. Vai ver que classe social fala mesmo alto na alma dos eleitores. Vai ver que por vir de uma classe média baixíssima, meus pontos em comum com meus amigos classe média alta (e daqueles que se pautam pelos valores desta classe) se tornaram irreconciliáveis quando de fato tivemos um governo de esquerda.

Será que é essa a charada? Era legal exibir no peito a estrelinha do PT lá nos anos 80 quando a proposta de inclusão, de um país para todos os brasileiros, era só um sonho juvenil. No fim do dia, era voltar pra casa e encontrar a comida gostosa e a roupa passadinha que a empregada (essa santa) deixava à sua espera. Muito legal discutir política na sala fresquinha pela limpeza que a diarista forneceu a preços módicos. Muito legal lutar pelos direitos dessa mulher que agora chacoalhava no transporte público e sumia das nossas vistas e do nosso radar até a próxima faxina.
Numa das últimas “discussões”, com amigos que se recusavam a votar em Dilma, ouvi a máxima: “Lula acabou com a classe média”. Oops... mas não é o contrário? Não temos, agora, uma classe média maior? Pera aí, cara-pálida, acabaram com a “sua” classe média? Ah, claro, em vez de brigar por melhor infra-estrutura nos aeroportos brasileiros para evitar tumulto e atraso, melhor a gente continuar evitando que pobre possa viajar de avião, né?

O eleitor de Marina não é , necessariamente, o ecologicamente consciente. Talvez nem seja na maior parte o religioso que quer na presidência alguém que tenha boas (e conservadoras)  relações com Deus. Como li de um jovem que comentava um post do Nassif, o eleitor de Marina talvez seja aquele que tinha um certo pudor em votar no Serra, mas continua tendo medo de votar em alguém que possa, de fato, transformar o quadro social desse país. Eles preferiam se esconder em Marina, porque achavam que ela não ganharia mesmo.
Marina, por sua vez,  pode se esconder agora. Seria nobre, e digno de seu passado político, porém, dar um passo à frente e se posicionar. Como fez Brizola em 89 ao engolir o “sapo barbudo”. Ele sabia que o momento exigia compromisso e isto estava acima de qualquer divisão. Talvez seja isso o que falte a Marina. Quem sabe se ela tiver esse momento Brizola, fique mais difícil para seus eleitores votar em Serra e lavar as mãos. 

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