Thursday, December 26, 2013

Mais um pôr de sol

Quando saí pra tirar a foto, já era tarde demais...O sol já tinha se acomodado inteiramente atrás da montanha. Num piscar de olhos... E logo a noite foi caindo.
Enquanto escrevo esse ‘post’, eu posso ver o sol literalmente se escondendo atrás da montanha. Uma imagem recorrente, do jeito que eu costumava desenhá-la quando era criança. Minhas casinhas eram sempre as mesmas e sempre havia uma montanha.  Por trás dela o sol ia descendo. O sol que vejo agora é lindamente real e vai escorregando atrás de uma montanha igualmente linda e real. O sol que vejo agora não tem nada daquele laranja dos meus desenhos infantis. Vai ver que é porque meus olhos reproduziam com lápis de cor o sol tropical do Brasil e este aqui, sol invernal, do hemisfério norte, tem seu próprio tom e brilho.

Eu sempre fui fascinada por pôr-do-sol. Lembro, muitos anos atrás, de uma passagem de ano em que fui para Cabo Frio. Fui com uma amiga e de lá visitamos as cidades praianas mais próximas. Presenciamos um crepúsculo fantástico em Saquarema . Eu, com minha Kodak vagabunda, fui fotogrando o sol até ele desaparecer. Na volta, mostrando orgulhosa minhas fotos aos amigos, eles perguntavam rindo: “Mas parecem todas a mesma coisa”. Eu olhava indignada: como é que eles não percebiam que em cada uma delas havia menos sol aparecendo e que a cada minuto toda a luz em volta se modificava também. Talvez o mistério dessa falta de percepção tivesse mais a ver com a má qualidade da minha câmera do que com a sensibilidade dos observadores. Ainda assim, eu logo percebi que nem todo mundo tem o mesmo interesse pelo pôr-do-sol. E que eu nunca poderia, mesmo quando eu tive acesso a câmeras melhores, reproduzir em fotografia a emoção que ver um pôr do sol me causava.

Uma vez alguém me disse que pôr-do-sol é deprimente. Quando o sol se põe, o dia morre. O argumento era que melhor mesmo é ver o nascer do sol: ver o dia começando cheio de promessa e a luz gradativamente preenchendo o espaço. Para ser sincera, poucas vezes na vida vi o dia raiando. Não sou voluntariamente uma pessoa da manhã e já faz tempo que não passo a noite acordada pra surpreender o despertar de um novo dia. Imagino que o raiar do sol seja algo também fascinante, mas discordo que o pôr do sol seja triste. Coincidentemente, minha estação do ano favorita nos Estados Unidos é o outono. Este semestre um aluno fez observação parecida sobre minha preferência. Ele me lembrou que no outono tudo morre; as folhas caem, o verde desaparece. Tudo que era vívido e brilhante vai se desvanecendo. Foi então que me dei conta que meu gosto pelo pôr do sol e pelo outono tinham algo em comum. Não, não me acho mórbida. Muito ao contrário. Embora eu sempre tenha visto a tristeza como algo necessário e pessoal. Defendo o direito irrestrito de todo ser humano a sua própria tristeza. Não suporto a obrigação de ser alegre todo o tempo, o tempo todo. 

Quando o sol se põe eu sei que ele há de surgir amanhã novamente. Mas se ele nunca se pusesse a gente não poderia apreciar sua partida. Não há novo dia sem que se passe pela noite. Eu tenho a mesma sensação com relação ao outono. As folhas mudando de cor e as árvores pouco a pouco se despindo dão um tom melancólico à paisagem. Ao mesmo tempo, anunciam o fim de um ciclo para o começo de outro.

Quero crer que o final do ano possa provocar sentimento parecido. Que esse aparente final, tantas vezes repetido e celebrado, seja prenúncio de coisas novas e melhores. Quero apreciar também esses últimos “raios de sol” e estar atenta à beleza da noite. Quero receber o raiar do novo ano de braços e olhos bem abertos, porque logo, logo ele, também, há de escorregar por trás da montanha. 

Feliz Ano Novo!

Monday, July 8, 2013

Emotions: An oversensitive girl

Faced with a moment of dealing with
 emotions,  a mature woman revisits her ghosts of the past.

     Since I was little I knew, and everybody pointed out too, that I was an oversensitive girl. As they say in Brazil, manteiga derretida (melted butter), someone who tends to cry more than would be appropriate. This, let’s say, feature of my personality, persisted and it was still remarkable when I was in college. Just to give a sense of it, many years after graduation I met former colleagues and more than one person had vivid memories of my interferences in class almost always under an emotional tone, according to them on the verge of tears. That was not exactly the memory I wished to leave for posterity.
     The situation was such that during my twenties, just after college, as a young journalist, I decided to look for professional help. I became a Jungian psychotherapy patient for the first time. After only one year, no kidding, I was much better. It is not that I stopped crying for good, but I was able to control my emotions as I had never done before. I do not plan to advertise Jung’s methods nor discuss my treatment or the opinions of my psychotherapist about my case. Although, I recognize, her intervention was key into my process of “cure.” I just can say that, unconsciously, I was using my tears as a mechanism of defense. Without noticing, crying was the only way I knew in order to win my battles and, of course, I was not actually winning anything. In the past years, I realized that I cried more and more for happy reasons and, believe me, if you haven’t already found it yourself, tears of joy are the best ones.
     All this past struggle as well as my conquests came to my mind again, recently, particularly in my last week as a Lecturer of Portuguese at the university I worked for seven years.  Starting in my first year there, having little support from the institution, I relied a lot on my relationships with my students. While in conflict with the idea of teaching “only” language when I had gone to grad school to learn and eventually teach literature, I realized that even under these circumstances I could reach my students and the response was encouraging. In other words, even as a language teacher I found that, pedagogically, there was much more I could do. First of all, I understood that the only way of making my teaching productive and interesting to my students was to believe this was possible. I could not convince my audience of the relevance of my work without believing it myself. Plus, knowing who I am, no matter how much training and research I could do, the only way to be genuine and authentic in my teaching was allowing passion into the work. Yeah, now it was time to honor my emotions in a healthy way.
     During my seven years teaching Portuguese as the sole faculty member in my discipline, there were many days in which my whole “Jungian treatment” was put to test. Frustration and feelings of inadequacy and low self esteem would occasionally cloud my views. However, every single year I would find a group of students that would challenge me, delight me, and make me feel like the most important person in the world. Still, in my worst professional crisis, I would sometimes forget the importance of their support. Now, when I had to finally say goodbye, they reminded me of their amazing role in getting me enthusiastic about this work, even when faced with lots of disappointment. They also made me reframe some concepts. After all, being an extremely emotional person can offer good and bad things. The insecure, crying little girl that lives inside me was suddenly awake.  I was faced once more with the awkward moment of saying good bye. In their powerful message, my beloved students made real the feeling of leaving behind a group of young people, who were part of my life and the fear of not repeating the same rapport with the students I will meet next fall.  But that is not all and it is not even the most important  realization. Through their surprise parties, chocolates, flowers, cupcakes, hugs, cards with the sweetest words and songs, they brought me back to the beginning in a remarkable way: they reminded me why I chose this path in first place. It is my goal now more than ever to keep transforming my everyday teaching into something that goes beyond Portuguese. My only way to say thanks to all of them is to make my love of teaching transparent in my pedagogy. Did not Paulo Freire tell us about the joy of teaching?
     I wish I can feed on this good energy to find other groups of students as loving, curious and rewarding in the new moment of my career ahead of me.  My students, recent and past, have taught me that I should use my sensibility as a strength to share and celebrate education and the love of learning. And now, you’ll just have to forgive me if I cry. 


Sunday, March 17, 2013

Crônicas de bibliotecas

Por um Brasil de leitores!


St Louis Central Library. Recentemente reformada, a biblioteca central de Saint Louis é talvez a mais bonita dentre as muitas bibliotecas espalhadas pela cidade.  É um espaço convidativo e acessível. Foto: Derek Pardue

 



Moro nos EUA há muitos anos e uma das coisas mais legais que já vi aqui é o sistema de bibliotecas públicas. É absolutamente maravilhoso e , lamentavelmente, ao contrário de outras ideias americanas, esta nunca foi amplamente copiada pelo Brasil. Em 2009, a Fundação Getúlio Vargas fez um censo de bibliotecas municipais no país. A pesquisa foi encomendada pelo Ministério da Cultura. Os resultados saíram no ano seguinte e não foram muito animadores. Apurou-se , por exemplo, que 445 municípios brasileiros (8% do total) não tinham bibliotecas públicas. As bibliotecas em funcionamento geralmente não ofereciam outros serviços, ou seja, não promoviam atividades com os leitores nem mesmo grupos de leitura e poucas ofereciam acesso à internet. Mais de 90% delas eram inadequadas para deficientes físicos e/ou visuais. A maioria também fechava aos finais de semana e os horários de atedimento ao público, em geral, inviabilizavam o acesso dos que trabalham em tempo integral.
No mesmo ano, 2010, o Ministério da  Cultura lançou um edital convidando os municípios a se candidatarem a kits de modernização das bibliotecas. Cerca de 200 projetos foram selecionados e agora é hora de se saber como essas políticas de incentivo têm evoluído e como cada município tem tirado vantagem delas, eficazmente.
A criação dos Pontos de Leitura é outra iniciativa interessante e necessária. Grupos como sindicatos, centros comunitários e outros espaços públicos concorrem a verbas federais e infra-estrutura básica, incluindo um acervo inicial de livros de diferentes categorias. Depois de ter bibliotecas em cada município, o ideal seria garantir acesso ao maior número de leitores e transformar esses espaços em parte integrante das comunidades. E que sejam lugares bonitos, acolhedores, dinâmicos.
Eu quero ter esperança. Afinal,  a situação na pátria amada, idolatrada ainda é ruim mas não é novidade. Muitíssimos anos atrás, quando eu era adolescente, tirava livros religiosamente de uma circulante municipal. Eu tinha de renovar ou devolver os livros a cada duas semanas e tentava ler o mais rápido que podia para constantemente ter livros diferentes em mãos.  Um dia, porém, fui informada que houve reformulação dos distritos e com isso eu ficava proibida de continuar retirando livros daquela biblioteca. Há de se notar que a dita biblioteca não ficava no meu bairro. Eu tinha de fazer uma viagem de ônibus de cerca de 25 minutos. Com a tal reestruturação fui encaminhada para uma biblioteca que, apesar de pertencer à minha área, era impraticável. Era totalmente fora de mão: eu teria de tomar dois ônbus e, mais grave, aparentemente acreditava-se que minha jurisdição não tinha muitos leitores porque a biblioteca que nos cabia mal tinha livros e o parco acervo era composto de títulos infantis: uma ofensa para uma adolescente que se julgava tão madura, pelo menos como leitora.Mais recentemente ,lembro de lido que o então prefeito, Kassab, planejava fechar esta mesma biblioteca por falta de leitores (comentei o episódio neste blog).
Voltando ao meu drama adoelscente, não adiantou nada literalmente chorar diante de uma bibliotecária cuja apatia só era superada pelo incrível pendor à burocracia. Eu tinha sido oficialmente excluída. Foi então que pela primeira vez me servi do jeitinho brasileiro, neste caso, felizmente, sem graves consequências para ninguém e com benefícios (temporários) a minha sede de livros. À época, eu tinha um namorado que lia tanto quanto eu e que morava perto da bilbioteca. Ele tinha um irmão que, por sorte (minha não dele), não ligava para livros. Assim não foi difícil convencê-lo a obter uma carteirinha da bilbioteca e gentilmente me permitir usá-la em seu lugar. O acordo durou pelo tempo do namoro, que não foi longo, mas adiou a necessidade de comprar livros por mais um tempo.
Poucos anos depois, já na faculdade, outro evento ligado a bibliotecas me fez pensar na pouca importância que damos a elas no Brasil. Eu estava num desses cursos de ciências sociais com nome complicado. O professor era alguém da USP e embora tivesse boa reputação intelectual era uma dessas figuras antipáticas, caricatura do acadêmico esnobe. Numa das aulas dele, no meu primeiro ano de Jornalismo, quando ele falava sobre  a bibliografia do curso, levantei a mão e perguntei quais eram as opções para quem não pudesse comprar os livros. Inocentemente eu esperava algo como a dica de uma loja de livros usados ou, (por que não?) ser informada sobre os recursos da nossa biblioteca universitária. Em vez disso, Dr. X  foi categórico: “Quem não tem dinheiro para a gasolina não deve comprar carro”. Engoli a metáfora indigesta. Mas sabia que era preciso mais do que uma tirada infeliz pra me fazer desistir. E continuei tocando o carro, mesmo que, às vezes, aos empurrões. Valeu a pena, Dr. X.
Eu me lembrei deste episódio, em 1999, no primeiro ano da pós-graduação em Illinois. Eu me preparava para escrever os trabalhos finais cercada por dezenas de livros emprestados da biblioteca da universidade (tenho uma foto com eles e espero um dia encontrá-la). Eu me sentia como uma criança que realiza o sonho de ter  uma casa cheia de doces. A sensação só era mais intensa quando eu me via nos corredores da própria biblioteca, escolhendo livros das numerosas prateleiras e me deliciando em simplesmente folhear tantos exemplares quanto possível.

Que na nossa corrida para o desenvolvimento a gente crie e equipe muitas bibliotecas. Quem sabe um dia a principal manchete de todos os jornais nos dê conta de que, sim, o Brasil é um país que lê!  E que
não por acaso tem um sistema maravilhoso de bibliotecas públicas.