Friday, August 13, 2010

Feminismos e caminhada...

Ontem fui caminhar. Primeiro porque tinha o tempo pra isso, mas também porque bateu culpa por não estar me exercitando. Flacidez é algo que me aterroriza e sei que vou precisar de mais que caminhadas, em bom ritmo, pra enxotar esse fantasma. Seja como for, sempre achei cool ver as pessoas caminhando. Há uma certa aura em quem caminha por caminhar. Gosto da caminhada sobretudo como ritual, que exige até mesmo roupas próprias e acessórios, como um Ipod último modelo, pendendo dos fones de ouvido. De posse da parafernália, o mundo ao redor parece um simples, insosso cenário.

Pois então fui. Faltavam claro os super tênis e a tal roupa que faz do mais sedentário barrigudo um fashionable esportista. Mas eu tinha o Ipod, que me roubou alguns minutos para o ajuste, resultado da minha habitual falta de jeito com os eletrônicos. E, de quebra, levava orgulhosa sobre o nariz meus óculos de sol novos, a la Jackie O. Parti pelas ruas de Dogtown, meu bairro urbano, com seu working class appeal...Se é que a classe trabalhadora tem ou teve algum appeal.

Gosto dos parques. Mas de certa forma me intriga mais andar na rua, vendo as casas, apreciando umas, rejeitando outras. Nos parques vemos personagens de um script similar. Gente andando nas horas vagas pra ficar em forma ou pra ter a sensacão de que um dia vai ficar em forma.Na rua a gente vê o carteiro suando e certamente pensando por que idiotas, como eu, andam por aí de graça, embaixo desse sol insano... Vi um cara descarregando uma caminhonete, uma senhora desperdiçando um tantão de água pra manter o verde do gramado...cenas urbanas, ou quase. O importante mesmo é saber o que eu ouvia naquele Ipod cor de prata: Joni Mitchell. Tenho tentado ouvi-la em casa, nos últimos dias, mas, com o filho de férias, a voz suave da musa e suas canções melódicas nunca parecem ser a melhor trilha sonora. Pelo menos não na opinião dele que, apesar de nem ter completado seis anos, já ousa desafiar nossos gostos musicais....Ou, por outra, imitar os gostos do pai e rejeitar os meus. Acho que é aquela fase de identificacão de gênero (não musical, gênero masculino), que sei eu?

Se tivesse brisa, eu diria que a caminhada, ao som de California..., seria simplesmente perfeita. Não, não havia brisa. Quem já esteve em agosto em Saint Louis sabe do que estou falando. Mesmo assim, eu queria andar e deixar rolar... Let it be (quem sabe eu tenho essa canção aqui, em alguma songs’ list). Por algum motivo, pensar em Beatles, em Joni Mitchell me faz pensar em anos 60. Acho que nunca vou me libertar da sombra desses anos. Tanta coisa interessante acontecendo. Tanta coisa horrível, abominável também acontecendo. Discordo de quem pensa que um período histórico tenha, supostamente, mais acontecimentos que outros. Afinal, vivemos uma boa dose de fantásticos e horrorosos acontecimentos nos tempos que seguem. Nem assim posso ignorar quantas mudanças fundamentais aconteceram quando Mitchell, Dylan, Joan Baez, Caetano, Chico, Gil estavam iniciando suas carreiras.

Tudo isso, mais minha tendência a nunca relaxar, e minha tradicional reflexão de agosto- desde muito tempo, todo mês de agosto, um mês antes do meu aniversário, passo por uma versão pessoal de inferno astral- prenunciavam sabotar minha caminhada. Pois bem, pensava nos anos 60 e em Joni Mitchell e em feminismo. E antes que eu me desse conta já estava trincando os dentes de raiva ao lembrar da declaração metida a engraçadinha da atriz brasileira Maitê Proença que, possivelmente rolando os olhinhos azuis, lançou mão do lugar-comum (mais um)para elogiar os recentes avanços da mulher e, “inocentemente” dizer esperar que os machos selvagens nos salvem da candidata Dilma. OK, a caminhada matinal toma novo ritmo. Essa imbecil global acaba de destruir my cool scene. Não é só o fato de eu odiar lugar-comum, com todas as minhas forças. Não é só o fato de eu achar que a Maitê Proença deveria ficar quietinha e recitar somente o que o script das novelas que ela faz determinar. E, por fim, não é somente porque ela defende o candidato do patrão contra a candidata que eu apóio. Isso seria razão pra eu ignorar as opiniões da bela e ponto. O que de fato me irrita até mais não poder é a apropriação que algumas mulheres (e homens) fazem da luta feminista para distorcê-la, diminuí-la, em última instância ridicularizar algo que muita gente antes delas teve de construir sob as piores condições.Quando são mulheres a fazer isso, incomoda ainda mais a pretensão de algumas ao acharem que, por serem mulheres, estão autorizadas a falar em nome do feminismo. Que feminismo, cara pálida?

Estou certa que os machos selvagens, tão caros à Maitê, podem até sair em defesa dela. Não vou aqui discutir os sonhos eróticos de ninguém. Mas também tenho certeza que eles não vão impedir a vitória da Dilma e o que essa vitória representa. Tem muita mulher por aí que come uma machozinho selvagem por dia no café da manhã.

Há algo sobre o movimento feminista, ou sobre a história das mulheres na vida social, fora do ambiente doméstico, que a Maitê perdeu de vista: por falta de atenção ou por conveniência, pouco importa. Felizmente, nem todo mundo deixou passar este bonde. O bonde, aliás, continua passando. Mulheres que levam a família nas costas, que continuam fazendo dupla jornada, que ganham menos que os companheiros, essas, mesmo sem ter nunca lido uma linha sobre teoria feminista, sabem mais que mil maitês com seus doces olhos azuis.

A apropriação do legado feminista para usos suspeitos não é exclusividade brasileira, claro, e pode ter consequencias mais assustadoras. Falo agora de Sarah Palin, a musa conservadora, que me dá nos nervos mais até que a atriz/”jornalista” do Brasil. Em alguns aspectos, os motivos que inspiram minha raiva são similares. A americana, como a brasileira, é uma reprodutora incessante do lugar-comum. As frases feitas jorram de sua boca em jatos. A previsibilidade, a falta de crítica e de profundidade faz dela um ícone desse tipo de ser humano. Não do sexo feminino ou, como ela agora clama, da maternidade. Uma das suas novas táticas de auto-promoção é, numa tradução grosseira, a da mãe-urso. O que portanto a faz duplamente irritante, além de sua apropriação deslavada (e equivocada) do feminismo, é sua presunção ao definir maternidade. A simples ideia de mãe que ela busca imprimir, com o simplismo de suas “propostas”, com o apelo barato de um shopping tour vespertino, é de enjoar os estômagos mais resistentes. Talvez ainda mais de quem é mulher e mãe.

E melhor voltar minha concentração `a caminhada, porque acabou o CD da Joni Mitchell e agora estou ouvindo Paralamas do Sucesso. Dos anos 60 aos 80, mulheres e mães inteligentes uni-vos contra a estupidez generalizada! Ai que calor!

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