Sunday, August 29, 2010

O que teria acontecido a Tininha Hortelã?

Uma personagem adolescente, quinze anos depois

Em 1995, Tininha Hortelã nascia. Mas não era uma recém-nascida, no sentido literal da palavra. Tinha 13 anos e muitas ideias. A personagem surgia da união da minha vontade de escrever ficção com a necessidade (também minha) de fazer frente ao personagem masculino da revista, Ed Mosca. Que reinava absoluto num meio cujo o público leitor, se compunha, na maioria, de meninas. Nunca entendi muito essa obsessão das mulheres em saber o que pensam os homens sobre nós, mulheres. E, de fato, sempre duvidei que as revistas, ou jornais, soubessem exatamente o que seus leitores desejavam. Mas o sucesso do Ed Mosca era inegável.

Eu sabia, no entanto, que a Carícia, pelo menos naquela fase, não se propunha a ser uma pré-cosmopolitan, digo, uma revista Nova mirim. Por isso me irritava que tivéssemos um personagem que, apesar de engraçado, fosse tão caricaturalmente machista. Célia Cassis, minha redatora-chefe de então, foi por assim dizer a madrinha de Tininha, apesar de fã do Ed Mosca. Ela poderia simplesmente ter recusado o espaço que eu precisava para publicar as historinhas, mas comprou a ideia e só por isso Tininha teve acesso a suas pequenas (o formato da revista era o de um livro) duas páginas mensais.

Muito do que não acontece na imprensa, em geral, incluindo a chamada imprensa de variedades, é menos culpa do bam bam bam, dono do empreedimento jornalístico, do que do repórter, do editor. Há uma espécie de auto-censura, meio admitida, um tanto estimulada, pra se ficar nos limites do seguro (e do afável) com seus superiores. Célia, felizmente, nunca jogou nesse time. Já vi muita gente se adiantando ao editor e reforçando práticas discriminatórias ao cortar falas de entrevistados -- sem contar os próprios-- e justificando pra si, e diante dos outros, que a fala, a foto, ou seja lá o que for, jamais teria chance de ser publicada. Tudo isso antes mesmo de testar essa possibilidade. Entre os poucos arrependimentos profissionais que carrego, lamento não ter, naquela época, me posicionado mais forte e decididamente em defesa do que eu acreditava.

Outra coisa que me aborrecia sobremaneira era o mantra geral dentro das redações de que a leitora é burra. É preciso explicar tudo ou simplesmente cortar o que parece “complicado”, dizia-se. Como já escrevi em posts anteriores, abomino lugar-comum. E nem preciso dizer que a frase feita é o pão e a manteiga nas redações. Voltando à Tininha, ela queria ser , ou eu queria que ela fosse, cômica, reflexiva, uma menina comum, mas nunca superficial. Queria pintar uma garota inteligente, curiosa e que, como todo mundo, pisava na bola muitas vezes. Algumas dessas pisadas eram analisadas por ela. Uma análise, claro, dentro do repertório adolescente, sem grandes pretensões. Natália, uma ilustradora argentina, radicada há anos no Brasil, criou a cara da Tininha. Um perfil físico que, pelo que lembro, ficava mais ou menos dentro dessa descrição: nem feia nem linda, mas com jeito de quem está sempre antenada, por dentro de tudo.

Algumas das crônicas me encheram de orgulho e eu as guardo com grande carinho. Outras são apenas OK. Mesmo assim, o desafio de produzir a Tininha e ter de me colocar na pele de uma adolescente quando eu já entrava nos meus trinta, foi uma experiência marcante. De alguma forma, eu queria que nossas leitoras se tocassem do poder que tinham. Pode parecer utópico, mas eu realmente acreditava que a Tininha pudesse ser uma referência de agência feminina e adolescente, especialmente para a menina mais pobre, que era o perfil da leitora de Carícia.

A direção da revista Carícia mudou e eu sabia que não poderia ficar lá por mais tempo. Ter como modelo editorial uma publicação americana de segunda categoria não estava nos meus planos profissionais ou pessoais. A revista tomava um rumo que eu não queria trilhar, defintivamente. Tininha continuou ainda por um tempo, mesmo quando eu já não fazia mais parte do time. Com as novas orientações e periodicidade da revista, ela perdeu uma página e foi ficando sem graça. Acabou desaparecendo, como a própria revista, que viveu uma espécie de morte anunciada. Algo até bem comum no meio editorial, pelo menos no brasileiro.

Durante algum tempo, pensei muito em compilar as historinhas da Tininha num livro. O problema é que não tenho direitos sobre minha personagem. Como eu não a registrei, e eu a criei num momento em que trabalhava para a Editora Azul, tudo o que escrevi era propriedade da editora. Incluindo os artigos que foram republicados na versão portuguesa da revista, em Lisboa. Nós ganhávamos uma vez, enquanto os publishers ganhavam duas... Algumas pessoas me sugeriram criar uma sósia da Tininha, com outro nome, mas nunca cheguei a pensar seriamente nisso. Acho mesmo que não conseguiria.

Escrevo tudo isso porque hoje dei pra pensar como seria Tininha Hortelã em 2010. Considerando que ela tivesse uns 13 anos em 1995, hoje ela teria 28, ainda mais jovem do que eu era quando lhe dei “vida”. Talvez ela fosse arquiteta ou veterinária. Quem sabe tivesse uma profissão que nem existia em 1995... Será que ela seria como essas garotas que querem igualdade, mas odeiam ser chamadas feministas? Será que ela estaria solteira, morando sozinha, curtindo sua independência? Ou teria se casado com um colega da faculdade e vivido (ou negado) na prática suas teorias sobre relacionamentos? Já estaria neurótica, preocupada com as pressões do relógio biológico? Se, de novo, eu tivesse que idealizar essa jovem mulher, como é que eu a vislumbraria?

Alguns dos meus primeiros alunos nos Estados Unidos hoje são mais velhos que minha fictícia Tininha. E algumas das minhas alunas são meninas/mulheres que serviriam como grande modelo pra Tininha. São livres, espertas, no melhor dos sentidos, solidárias, empreendedoras, destemidas. Acho que eu queria uma Tininha Hortelã ainda ardidinha, como a adolescente. Rebelde, sem chatice. Especialmente porque aos vinte e oito rebeldia tem que ter fundamento. E estilo, sempre. Se minha “pena” pudesse dar a essa personagem um destino, acho que ela estaria rodando o mundo. Teria conhecido muitos homens; alguns fantásticos, outros que dão aquela ressaca horrorosa no dia seguinte. Tudo conta no final. Ela iria aprender a beber vinho, pelo prazer do paladar e da malemolência boa que vem depois. Seria leitora àvida, amante de filmes e de música. Tininha iria aprender a falar uma língua estrangeria e a dançar flamenco ou a jogar capoeira. E já teria saído, pelo menos uma vez, numa escola de samba.

Puxa, tanta coisa me vem agora à cabeça que o melhor seria escrever uma história em que a Tininha se rebelasse violentamente contra as expectativas de sua criadora. Mas pra mostrar que não sou tão má, talvez eu deixasse a Tininha transferir parte desses sonhos, ou dessa carga, pra irmãzinha dela, a Marcela, ou pra filhinha que a Tininha, um dia, viesse a ter.

13 comments:

Vih! said...

Não acredito que era vc qm me divertia durante a adolescência. A revista Carícia realmente me marcou mto. Hj eu tenho 27 anos e me tornei professora. Fico triste em ver como as adolescentes mudaram desde então. Mas fazer o q né? É assim que as coisas são né? rs Tenho q aceitar q estou ficando velha, rs. Aliás, vc tem ideia do paradeiro do Ed Mosca? Nunca vi uma foto dele. O.o Bj.

Selma said...

Bom demais ler sua notinha Vih! Melhor ainda o sentimento de que alguma forma, nós, que fazíamos a revista naquela época, tivemos participação na vida das leitoras, ainda que mínima,... Não, você não está ficando velha. Essa idade, sua (e da Tininha!) é ótima. Cada fase, claro, tem seu encanto e sua chatice, mas eu tenho cá pra mim que, para as mulheres, aquela fase pré e pós 30 é simplemente fantástica...Não quero estragar a surpresa, mas sei que você vai perceber.
Quanto ao Ed Mosca, sei que o autor dele continua sendo jornalista, por isso não imagino que ele vá um dia declarar sua identidade e eu é que não posso delatar o moço porque ele não me perdoaria...embora a gente não se veja nem se fala há muitos anos.
Muita sorte nos seus caminhos e projetos,
Selma (com abraços saudosos da Tininha Hortelã)

Elaine said...

Eu amava a Tininha Hortela também ... me identificava com ela em cada história e até assumi meu lado Tininha Hortelã. Hoje tenho 29 anos ela teria minha idade se for pensar ... cresci com a Tininha Hortelã é uma pena que ela tenha sumido junto com a revista carícia! Parabéns e saudades!

Selma said...

Oi, Elaine
Que legal encontrar mais uma leitora de Tininha. Eu as imaginava e lia com cuidado as cartas de leitoras que se dirigiam a Tininha. Mas, de certa forma, as leitoras eram meio uma abstracao. Eu as ia inventando do jeito que queria que elas fossem e, claro, elas me inspiravam algumas das historias tambem. Hoje, suspeito, voces leitoras eram mais interessants do que eu imaginava. Mantenha seu lado Tininha vivo! Eu, mesmo bem mais velha, tento cultivar o meu tambem.
Beijo grande,
Selma

CrisTINA said...

Você pintou várias garotas inteligentes, curiosas e que, pisaram na bola muitas vezes. E é bem verdade que dessas pisadas muitas foram analisadas por todas nós. Hoje, dia 08/10/2011 estava procurando justo a imagem da personagem “Tininha” para colocar numa dessas redes sociais, da qual recebi uma mensagem solicitando meio que numa espécie de “corrente” uma personagem que marcou a minha infância e adolescência. Nessa minha busca adorei ter encontrado esse blog. Eu Tininha do sec. XXI me enquadro nos trechos... aprendendo outros idiomas, conhecendo alguns homens e tendo sim uma ressaca no dia seguinte rsrsrs e feliz por encontrar outros espetaculares, independente, degustando vinho e sendo também amante de filmes e de boas musicas.... Ah! Sou CrisTINA e tenho 27 anos.

Selma said...

CrisTina, obrigada por seu comentário tão lindo...Eu estou adorando saber que as meninas do meu tempo de Tininha estão na luta, fortes e belas, mantendo acesas a curiosidade e a vontade de ir além. Há um poemeto do Leminski que eu adoro que diz assim:
isso de querer
ser exatamente aquilo
que a gente é
ainda vai
nos levar além
É isso aí, aproveite essa fase incrível da sua vida! Desejo muita força e beleza nos seus caminhos e apareça quando puder pra visitar o blog, apesar de meus posts aadarem meio devagar...
Abração!
Selma (uma eterna Tininha de coração)

Naomi said...

Meu Deus!!! Voltei mais de 20 anos no tempo agora! Saudades da época em que lia Carícia (colecionava e ainda devo tê-las em algum lugar), adorava as seções do Ed Mosca e da Tininha Hortelã. No fundo, sabia que era meio "fake", mas me divertia horrores com as histórias deles. Sempre adorei revistas e foi aí que nasceu o sonho de trabalhar com isso no futuro. O problema é que eu gostava mais de ler do que de escrever. Cresci, fiz Letras e - olha só! - virei revisora de textos! Tive a oportunidade de trabalhar com vários tipos de revistas, femininas, masculinas e adolescentes. Infelizmente percebi que a linguagem daquela época não existia mais. Pelo menos na minha lembrança, claro. Mas amo meu trabalho, amo esse mundo editorial e guardo esses personagens da minha adolescência no coração. Hoje, aos 30, lembro com saudades dessa época. Lembro da estreia da Tininha Hortelã na revista, consigo até lembrar do trecho que dizia que ela não estava lá para competir com o Ed Mosca, mas apenas para "botar os pingos nos is", rs... Sei que o post é antigo, mas fiquei superemocionada ao encontrá-lo. Obrigada por fazer parte dessa época tão linda da minha vida! :D

Selma said...

Oi, Naomi
Seu comentário me emocionou. Hoje, na universidade, sempre me preocupo com o impacto que posso ter na vida de meus alunos. Eu quero deixar pra eles, talvez pretensiosamente, um pouquinho mais do que mero conhecimento da disciplina que ensino. Lendo suas palavras, fico pensando que, durante o tempo da Carícia, o meu papel era semelhante. Ainda que num nível diferente, eu queria que as meninas fossem bem informadas, descoladas, livres de preconceito...era difícil, num meio superficial e limitado como o das nossas revistas, mas, acredite, pelo menos naquela equipe algumas pessoas tinham tanto compromisso quanto eu. E pra provar que a Tininha não morreu, vou usar nas minhas aulas um texto em que ela fala sobre uma briga entre seus pais ... Muito obrigada pela visita e pela energia tão boa. Sucesso!

Ana Paula Barros said...

Incrível. Mais incrível ainda foi encontrar você e te agradecer por ter feito essa personagem que marcou muito minha adolescência. Apenas queria dizer: Muito obrigada!

Selma said...

Oi, Patty, que bom você ter encontrado o 'post'. Como você vê, já faz um tempo...Mas continuo adorando encontrar, ainda que virtualmente, uma leitora da Tininha. Eu também digo obrigada. Pela visita e por ter iluminado meu dia! Grande abraço!

Lila said...

Nossa que legal te encontrar!!
Eu adorava a Tininha Hortelã.
O Ed Mosca tb era demais.
Quem era o escritor?! Tenho muita curiosidade em conhecer o rosto dele.
Muito feliz de ter encontrar.
Procurei por vcs no Facebook.
Dar vida a Tininha novamente seria demais.

Selma said...

Obrigada pela visita, Lila!

O autor do Ed Mosca ainda anda por aí. Perdemos o contato mas não tenho autorização para revelar a identidade dele. Se um dia eu o encontrar de novo, vou dizer a ele que muita gente quer saber quem ele é...

Da mesma forma, se eu ressuscitar a Tininha vou avisar todas vocês que escreveram aqui!

Abração!
Selma

Unknown said...

Olha eu aqui, nesse intenso ano de 2020 buscando na internet notícias sobre minha querida Tininha hortelã... E me deparo com essa matéria da criadora dela! Quanta satisfação!e que bom entender o que de fato aconteceu. Mas confesso que seria uma das primeiras a comprar o livro dessa tão amada personagem caso fosse lançado! Um grande abraço pra vc que criou Tininha hortelã.